quinta-feira, 5 de abril de 2007

Sonho de Éter

Lentas dilacerações formigando na pele. Uma leve levitação sobre as barreiras que me reprimem. Eu sou alguém que nunca existiu, um personagem que se esconde nas profundezas das minhas entranhas. O espelho reflete um ser completamente estranho a mim. Deuses e Deusas testemunham minha ascensão, toco os céus com um beijo e desperto sozinho, longe de qualquer compreensão, ouvindo apenas os ecos de alguns risos. Há um anjo caído sobre a cama e ele está marcado sob o signo da miséria. Em silêncio ele me diz palavras verdadeiras demais para se acreditar. Os seus lábios sangrentos e seu olhar vazio jamais se movem, apenas confessam. Eu estou aqui, mas jamais estive, sou apenas um delírio alheio, parte de alguma fantasia perversa de um sonhador solitário. Minha carne e meu ego ficaram lá fora, hipnotizados pelas luzes do trânsito, comunicando se através de murmúrios e olhares cheios de tédio juvenil. A névoa que me cerca não quer me abandonar e por mais que eu tente, todas as minhas fugas continuam a falhar. Eu percebo você me observando enquanto me julga distraído. Noto seu interesse mover se como um pêndulo, do fascínio ao desdém em questão de momentos. Eu ofereci minha carne em seu sacrifício, expus meus temores, desfigurei meus delírios e te presenteie com inimaginável afeto. Em troca você esbofeteou meu rosto com a frieza do seu olhar, feriu-me com seu cruel desinteresse e me abandonou no mais devastador e escuro silêncio. Agora você retorna a mim, sorrindo em pesado remorso. “Remorso do que?” pergunto eu sorrindo de volta, ante a sua desnecessária comoção. Seu instinto estava certo ao me agredir tão covardemente e admirável foi o modo como você pisoteou sobre minhas pretensões. Você se libertou de uma insana fantasia, aonde por certo eu iria te fazer sangrar. Você fugiu de uma jaula de insanidade e sujeira e de forma ilesa atravessou este vale infértil onde eu tentei te abater e finalmente se refugiou fora do meu alcance. Sob a sombra de uma árvore morta eu te vejo brincar no seu belo jardim e me sinto feliz por você estar tão longe de mim. Sou apenas uma criatura pálida que vaga por ruas pavimentadas sobre o próprio medo. Mais um entre tantos sonhos esquecidos. Não tente me abraçar com promessas doces e ternas. Não tente imaginar os caminhos que percorre minha mente. Na existe amor maior que meu desprezo. Ouça o Anjo e seu sábio silêncio. Não se apaixone pela vertigem.

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