segunda-feira, 26 de dezembro de 2016

O Cuseiro do Rei

O que contam é que em uma manhã de terça-feira o Rei acordou querendo comer um cu. Ele se levantou exigindo “quero comer um cu” para o Mordomo, que se assustou e saiu tentando convocar alguma camareira. Deu uma puta confusão, ninguém quis se voluntariar e o Rei trabalhou de mau humor o dia inteiro. Os conselheiros fizeram uma reunião de emergência pra entender que tipo de cu ele queria e resolver a situação. Ele deu as instruções e no dia seguinte estavam divulgando uma vaga de emprego no palácio. Eu e mais uns aldeões desempregados nos candidatamos e fomos chamados para as entrevistas.

A primeira parte da triagem foi com o Chefe da Guarda Real. O jagunço metido a coronel nos mediu com os olhos, puxou nossas capivaras e checou nossos antecedentes. Nisso, uns marreteiros e uns gatunos já rodaram. Sobrou eu e mais meia dúzia. A segunda fase foi com um médico, que nos examinou, coletou nosso sangue e fez perguntas sobre nossos hábitos sexuais e de higiene. Ai mais três caras, um deles meio amarelento, foram dispensados. A terceira etapa foi com o Mordomo. Ele simplesmente mandou a gente se despir e tirou fotos. Depois explicou do que se tratava o trampo e se alguém tivesse algum problema com aquilo, era melhor cair fora imediatamente. Um carola ficou indignado e saiu, restando só eu e mais dois candidatos, três paspalhos desesperados. Ficamos um tempo num sala de espera, fingindo não nos conhecer, até que o Mordomo apareceu e me chamou pra um particular. Disse que o Rei tinha me aprovado, que eu já começava na manhã seguinte e deveria chegar às 5h50 para os preparos.

Acordei às 4h30, tomei banho e apanhei o bonde rumo ao Palácio. A aldeia ficava um pouco longe, mas tinha transporte fácil, a estação ficava praticamente na porta do castelo. Cheguei na hora certa e fui levado para uma sala de banho. Lá o Mordomo e algumas funcionárias me esperavam. Primeiro me depilaram, dos pés ao pescoço, com cera, gilete e pinças. Depois veio o enema e meu rabo estava liso e limpo. Me besuntaram com lubrificantes e me instruíram a ficar na beira da cama, esperando o despertador tocar e não dizer nenhuma palavra. Estava envergonhado diante daquelas moças e senhoras, mas mantive uma falsa dignidade e assenti a tudo. Me deram um roupão e me conduziram até ao quarto real. Entrei e vi o vulto adormecido na enorme cama. Estava escuro, mas os primeiros raios de Sol que penetravam pela cortina me permitiram andar sem tropeços. Me postei na minha marca e às 6h50 o sino tocou. O Rei coçou os olhos, desligou o aparelho e se levantou, me ignorando completamente. Abriu um pouco mais a cortina, o suficiente para iluminar o quarto, não o bastante para que algum xereta espiar. Só então ele pediu para que eu ficasse de quatro. Obedeci e esperei. Estava tenso, atento a movimentação e ao balanço da cama. O Rei era alto e barrigudo, mas o colchão afundou suavemente com seu peso, era um colchão real afinal, de grande qualidade. Senti uma mão apoiar em minha nádega e por fim a estocada em meu rabo. A lubrificação facilitou, mas não impediu a dor e o desconforto. Gemi baixo e fechei os olhos, enquanto o caralho ia entrando devagar, empurrando as paredes do meu reto em direções que não me pareciam naturais. Tentei relaxar ao máximo, enquanto ele ia aos poucos alargando a passagem. Quando o Rei se sentiu confortável, começou a ir e vir cada vez mais rápido, respirando pesadamente e apertando meu quadril. Gotas de suor caíram sobre minhas costas e após alguns minutos daquele coito mecânico, o movimento parou e algo quente umedeceu dentro de mim. Ai foram mais alguns segundos agoniantes até que o pinto real fosse desconectado. Com um “pronto, pode ir” grunhido, eu estava dispensado. Vesti meu roupão, abri a porta e retornei a sala de banho, onde voltei a me limpar. Quando já estava vestido e pronto para partir, o Mordomo apareceu e me perguntou se eu estaria lá na segunda-feira. Assenti e disse que o emprego era meu.

Porque eu ia querer viver assim? Bom, eu não estava tendo nenhuma sorte em encontrar algo mais digno ou agradável. O reino estava em crise, os servos eram cada vez mais explorados e a carreira militar costumava ser uma passagem sem volta para uma cova no estrangeiro. Além disso, somando o preparo e consumação, era um trabalho de pouco mais de uma hora que pagava mais do que eu já havia recebido em longas jornadas diárias. Segunda a sexta, das 5h50 às 7h30, salário + transporte + vale refeição + café da manhã no palácio e o resto do dia livre, pra vadiar, dormir ou fazer algo útil. Tudo isso por uma pequena tortura para deixar nosso Rei de bom humor, o que só traria bons frutos para nosso país, acho eu.

Com o passar dos dias, o estranhamento foi passando. Fiz amizade com a funcionárias e conversava amenidades enquanto elas faziam a lavagem e melavam meu rabo com vaselina. As sessões de depilações eram semanais e logo nem doíam muito. Eu também tinha que fazer exames de sangue e consultas periódicas, obviamente para proteger a saúde do Rei, mas não deixava de ser um benefício também para mim. Afinal, que outro aldeão tinhas os melhores médicos do reino a sua disposição? Também aprendi a relaxar meu esfincter e tornar o ato menos dolorido. Com o tempo, fui aprendendo os padrões de foda do Rei. Às vezes era vagaroso, às vezes intenso. Em alguns dias, pedia pra eu ficar de pé na beira da cama e sentar sobre ele. Em outros, me deixava de ladinho. Eu fui desenvolvendo técnicas de meditação para ficar mentalmente longe dali. Canções e peças de teatro eram executadas na integra ou parcialmente na minha cabeça enquanto o gordo me fodia. Haviam os dias que não durava mais do que alguns segundos, mas tinham as manhãs trabalhosas em que ele demorava mais de 15 minutos e me mandava mudar de posição várias vezes. Em raras ocasiões, me dispensava, grunhindo que não estava afim. O que nunca aconteceu foi uma brochada. Acredito que ele se conhecia muito bem e sabia prever quando poderia ocorrer. Não ia pegar bem e seria até arriscado para mim se ocorresse. As brochadas do rei são segredos de Estado.

A minha vida mudou bastante com o novo ofício. A notícia se espalhou pela aldeia e eu era chamado pelas costas, oh sim, pela costas, de Cuseiro do Rei. Eu não tinha certeza se cuseiro era uma palavra de verdade e se ela descrevia exatamente o trabalho, mas não achei nenhum termo mais adequado. Nem sabia dizer se o correto era com s ou com z. No meu contrato constava “Auxiliar de Camareiro Real”, mas alguns funcionários já utilizavam a alcunha vulgar para se referir aos meu serviços. Obviamente, isso causou estigmas para um jovem varão como eu. Alguns amigos não queriam mais serem vistos na minha companhia, a taverna ficava silenciosa e constrangida quando eu entrava e nenhuma moça parecia querer minha companhia. Meus pais fingiam que não sabiam o que eu fazia e aceitavam de bom grado minha ajuda financeira. No fim, era só isso que me importava.

Já o Rei não sofria desses chistes. Toda a corte, incluindo a Rainha e o herdeiro, sabiam do seu hábito matinal e tomavam como só mais um capricho. O Rei e a esposa casaram apenas por um arranjo político entre duas famílias e jamais haviam dividido a mesma cama, exceto para fins de procriação ou por consequência de algum banquete regado a vinho. Mesmo a notícia minha existência se espalhando pelo reino não causou qualquer rusga a imagem do monarca. Ele só estava exercendo seu privilégio. Afinal, quem não ia querer um cusinho disponível toda manhã? E notoriamente, o humor do homem melhorou e suas disposição para o trabalho estava renovada. Os conselheiros me cumprimentavam e me agradeciam pelo bom trabalho. Quando juntei dinheiro suficiente, me mudei para dentro da muralha e me livrei do transporte público. Caminhava para o trabalho e depois tinha o dia para explorar aquele novo mundo.

Mas nem sempre eu tinha em bons termos o meu ofício. Às vezes voltava envergonhado e humilhado de uma sessão de sodomia. Pensava com temor em meu futuro, já que nem sempre eu seria um jovem de bumbum aprazível aos gostos da realeza. E mesmo que eu mantivesse a preferência, o que seria de mim com o rei velho e broxa? Ou com ele morto? O príncipe manteria os hábitos paternais? Provavelmente não, e caso contrário, daria preferência a algum cu mais jovem. Nesse dias sombrios, voltava para casa, me trancava no quarto e matutava planos. Iria investir meu dinheiro em minas de cobre, em guerras ou patrocinaria algum cavalo premiado. O salário era bom, eu tinha algo guardado, mas gastava bastante nas farras. Pois sim, passando tantas manhãs de quatro, eu sentia necessidade de uma desforra. Às vezes por pura líbido, às vezes por vingança. Sim, me vingar daquele gordo depravado que me comprava e abusava conforme queria, sem trocar uma palavra, sem me reconhecer como um humano. Pra ele eu era um mero orifício para despejo de maus sonhos e ansiedade. Era então que eu ia pra zona, escolhia alguma menina ou menino e fazia o mesmo, tão frio e cruel quanto meu senhor. Em noites de melhor humor, escolhia alguma dama e lhe dava vinho e carinho. Eram somente as cortesãs que me respeitavam, afinal, eramos companheiros de profissão. Mas sempre com muito cuidado, camisas de Vênus, desinfetantes e moças prendadas. Uma sifles ou uma gonorreia e estava acabada minha carreira palaciana.

Uma manhã quente, ele pediu que eu fosse por cima e começou a penetrar, aumentando a intensidade mais e mais. Levou as mãos do meu quadril ao meu peito e lambeu minhas costas. Comecei a gemer e esqueci, pela primeira vez, que estava lá a trabalho. Quando ele terminou, percebi que eu também havia ejaculado, felizmente sobre meu próprio estômago, sem manchar o lençol real. Voltei pra casa me perguntando como pude sentir prazer sendo violado por aquele gordo seboso. Teria eu mais do que me acostumado? Tinha pego gosto pela coisa? Bebi uma garrafa de vinho e chorei, sem saber o que fazer da vida. Eu nunca mais tinha passado uma noite em claro pensando em como compraria o pão do dia seguinte, envergonhado por não ter sucesso em nenhum ofício e depender do auxilio paternal em uma idade em que deveria ser homem feito. Agora tinha encontrado minha vocação e era ostracizado justamente por ela. Ser um cuseiro afrontava tudo o que eu acreditava e fechava portas que talvez me levasse a felicidade. Então porque aquele gozo na minha barriga? Teria parte de mim completo desprezo pelas convenções e tradições que minha profissão depravava? Lá no fundo das minhas entranhas, através do meu reto castigado, haveria uma essência que ria e pouco se importava com as minhas lamúrias e se deleitava com a luxuria e o ouro que a minha vida se tornara? Talvez, talvez eu soubera disso desde a primeira e dolorida vez, que ficar de quatro e ignorar a dor por cinco minutos era uma humilhação menor do que uma vida de servidão, moléstia e fome. Que o futuro daqueles que me julgavam era tão turvo e incerto quanto o meu, e ainda mais trágico. Pois se eu dependia de um capricho de um rei, o que dizer dos aldeões, dos soldados e dos padres? Todos vocês são cuseiros, dia após dia escorrendo sangue na lavagem e perguntando-se aonde isso irá levar. Deve valer a pena, deve ser pra melhor, afinal é assim que nos ensinaram! Pois fechem os olhos, entoem uma canção e suportem a dor da enrabada. Se a minha dura cinco minutos, a de vocês é perpétua e diária, até o final da mentira, até que seja tarde demais, sem gozo e sem graça. Eles riem e me expulsam porque vem em mim a verdade. Nenhum deles é dono do próprio cu.