segunda-feira, 12 de setembro de 2011

A Estética do Linchamento

A tradição histórica de sacrifício humano persiste sob a categoria dos linchamentos. O linchamento consiste em selecionar alguém que tenha quebrado algum valor ou norma social sagrada, portando um paria, um ser que perdeu direito a qualquer tratamento humano, e executá-lo da forma mais cruel o possível em defesa destes valores vigentes.

Isso é importante, pois a culpa horrenda do sujeito absolve e justifica as ações dos linchadores. De tempos em tempos, essas normas são reimaginadas, assim como as desculpas para satisfazer o instinto assassino do cidadão comum.

O linchamento aqui analisado ocorre em um vilarejo de ruas de paralelepípedo e o acusado é Raul S, um funcionário de um sebo. O seu suposto crime foi ter assassinado o amigo imaginário do pequeno Thiago, um menino de nariz escorrido de 8 anos, dono de uma permanente expressão desgraçada que desperta piedade e irritação.

Se de fato Raul realmente assassinou Orco, a representação simbólica das ansiedades sexuais prematuras do garotinho, ou se tudo se trata de um terrível engano, não é relevante. Uma multidão de linchadores não é conhecida por seu julgamento racional. O gosto de sangue surge irresistível em suas línguas e o sacrifício é armado, êxtase em rostos transtornados e brados moralistas.

Raul sabe destes detalhes e decidiu que não perderia seu tempo jurando inocência ou clamando por piedade. Quando a multidão se aglomerou na porta da sua casa, pronta para invadir e arrancá-lo a força para uma boa e velha sessão de espancamento e chuva de cuspe seguida de morte, cujo método ainda não havia sido definido, notou fumaça e chamas vindo do interior da casa. Dois sujeitos abriram a porta e deram de cara com um inferno. O vendedor de livros tinha posto fogo na própria casa.

Ninguém nunca achou o corpo dele, e muitos especulam que talvez ele esteja vivo, assassinando fantasias narcisistas de cidadãos honestos. Quanto ao pequeno Thiago, ele cresceu para se tornar um marido preguiçoso e abusivo. Ele nunca foi linchado por isso.

segunda-feira, 5 de setembro de 2011

Ninguém lê poesia no século XXI

Ignoro a hora do rush
Caminho 6 quarteirões
Isolado em silêncio simulado
O vento açoita a pele
Espalhando pela mente
Versos inúteis
Para sempre (felizmente) perdidos
No portão da fábrica
Operários sorriem das capas xerocadas
Uma trepada pirateada
Uma xota e seus royalties não recebidos

Sonho com três escravos mortos
Não entendo o que tentam me dizer
Sussurram algo incerto
Algo que pus a perder
Nada disso faz diferença
As pessoas não vão ouvir
O engenho não vai parar
A manhã chega e
Os mesmos degraus esperam
Ninguém lê poesia no século XXI
Ao menos não uma tão ruim.