quarta-feira, 14 de maio de 2008

21

Meus olhos se abriram no meio da madrugada e se chocaram contra a luz vermelha do relógio digital: “5:21”. Fixei no número 21 por um longo minuto e me senti incomodado. Nunca me importei com números, para mim não significam nada. Mas quando completei 21 anos foi diferente, esse número veio carregado de um significado importante para mim. Ele me remete as partidas de 21 que jogava na casa de meus avós, quando tinha 10, 11 anos. Eu gostava de me sentar na cabeceira da mesa, de frente ao meu avô e observá-lo, bebendo seu café preto e forte, amaldiçoando sua má sorte no jogo e rindo silenciosamente das bobagens dos seus netos e filhos. Nascido em 21 de abril de 1921. Taurino, como eu. Gosto de pensar que de todos os netos, eu sou o mais parecido com ele. Alto, magro, silencioso. Havia uma áurea calma nele, uma complacência que jamais vi em outra pessoa. Mas dento de seu peito ardia uma inquietude, eu sei, assim como arde em mim. Naquela figura esguia que se sentava de maneira desleixada, ainda havia o charme boêmio de sua juventude, regada a álcool, cigarros e a música de Nelson Gonçalves, quando freqüentava prostíbulos com uma arma na cintura e um sorriso de deboche na boca. Tocava violão e acordeão até que um derrame limitou os movimentos de um de seus braços. Sobrou-lhe a gaita, que tocava com um dom natural inexplicável de um sujeito que estudou até o primário e nunca soube o que era uma partitura. Sua vontade de viver não o deixava parado nunca. Não morava na mesma casa muito tempo, abria o próprio negócio no interior, vinha para São Paulo e se arranjava como segurança. Aposentou-se, voltou para sua terra, comprou um sítio, uma casa. Nem mesmo a doença conseguiu o derrotar. Após o derrame, se recusou ficar na cama e voltou, na marra, a andar. Às vezes me surpreendia o vendo pelas ruas, carregando um pesado carrinho de feira, brincando com cães vagabundos e recolhendo qualquer tábua de madeira que encontrasse, para em casa brincar de marceneiro. Ficava fascinado o vendo trabalhar e com os brinquedos que ele fazia para mim. Tão calmo, tão inquieto, só não conseguiu mesmo derrotar o cigarro. Sentei-me na cama. Entendi por que me sentia tão estranho. Há exatos três anos, numa sexta-feira 13 de maio, cinco dias após eu completar 18 anos, meu avô morria, vítima de um enfisema pulmonar. A última coisa que ele fez foi derrotar minha avó numa partida de 21. Estava encerrada uma vida simples, mas nada medíocre. Peguei a gaita que um dia foi dele e hoje guardo comigo. Tentei tocar algo, mas nada saiu, este talento não herdei. Visualizo aquele homem alto e magro, frágil e invencível, e me pergunto se um dia serei parecido com ele. Estou tentando há 21 anos

quarta-feira, 7 de maio de 2008

Esqueça

“Eu sou o pior no que faço de melhor”

Olhei para a folha e senti nojo. Nojo dos meus garranchos, da minha breguice exposta naquela confissão pobre e sem estilo. Onde eu quero chegar com essa merda? Eu deveria escrever com meu sangue, exorcizar meus traumas, vomitar minhas vísceras sem nenhum pudor e criar um monstro a minha imagem e semelhança, meu medo de viver traduzido para o português. Mas ao invés disso, o que eu venho fazendo? Escrevendo futilidades para impressionar menininhas. E eu garanto, ninguém ficou.

“Mas ele não sabe o que isso significa”

Comprou uma jaqueta militar, costurou uma faixa vermelha no braço esquerdo. Deixou o cabelo crescer, vestiu coturnos. Decorou citações de filósofos, discutiu em bares, cuspiu na Veja. Mas as crianças continuaram a morrer de fome, a reforma agrária não foi para frente e os sem-tetos foram despejados. Olhou no espelho. Lá estava eu, o grande clichê, o grande inerte.

“Como uma velha memória”

O que aconteceu com ela? Quantas manhãs eu despertei ansiando apenas por vê-la, beijar seu rosto e decorar seu perfume? Por quantas tardes eu delirei por caminhar ao seu lado, regozijando o silêncio suave que nos separava? Por quantas madrugadas eu adormeci visualizando seu rosto no escuro, desejando seu corpo contra o meu, agonizando por saber que nunca a teria? E agora ela me aparece, sem graça, sem perfume, vulgar como uma qualquer. Seus lábios, seus cabelos, seu fogo, ela era imagem de meus sonhos. O que restou agora? Antes eu nunca mais a tivesse visto.

“Não me importo se eu não tenho uma mente”

A vida vem se passando com freqüência em banheiros alheios, cheiro de vomito e mijo, cabeça latejante, algum amigo esmurrando na porta me perguntando se eu estou vivo. Me pergunto se estou perdendo alguma coisa aqui. Lobotomias temporárias, é isso que todo mundo quer afinal. Reduzido ao estado primordial, onde só fome, sono e tesão fazem sentido. Qualquer outro pensamento é complexo demais, impossível de ser elaborado. Sensações, só isso me importa. A névoa branca de embriaguez me liberta responsabilidade de ser. Sim amigo, ainda estou vivo.

“Talvez eu seja culpado de tudo que venho ouvindo... mas não tenho certeza”

Reflita por um instante sobre toda a sua vida. Pense nos padrões, nos erros que se repetem, nas mentiras que permanecem em pé. Olhe para seu rosto no espelho e finja que está diante de um estranho e diga tudo que ele mereça ouvir. Diga que ele é um imaturo narcisista, incapaz de confiar em alguém, que está tão amedrontado com a possibilidade de desperdiçar a vida que não consegue encará-la como um adulto. Diga que a sua timidez é um embuste de uma criança mimada, um ser negativo que só quer receber sem dar nada em troca. Será que isso basta? Não, é obvio que há muito mais...

“Eu juro que venho sendo verdadeiro”

Delírios, mitos, fetiches, é disso que sou feito afinal. Não tem nada errado em interpretar um papel a vida inteira, especialmente quando ninguém está olhando. Na verdade, é impossível fazer diferente. Experimente não fingir ou apenas imagine. O que isso seria? Um psicopata? Uma criança? Não, isso não funciona. Não venha me dizer que eu estou mentindo, não me acuse de não ser autentico. Isso só faz de você um hipócrita.

“Só por que você está paranóico, não significa que eles não estejam atrás de você”

Sussurros, sussurrando por todos os cantos. Ela, ele, ela e mais aquela, cochichando, ignorando, distraindo-me como uma criança fútil. Ok, ok, vocês venceram víboras. Vou para casa praticar minha expressão de desdém, desarmar minha metralhadora espiritual, me chafurdar na minha inocência. Tem álcool e maconha o bastante para acalmar meu ímpeto. Pela manhã terei éter e estimulantes o bastante para eu me tornar outra pessoa. Ai vocês e seus sussurros serão tão irrelevantes quanto merecem ser.

“Eu não me importo com que você pensa, a não ser que seja sobre mim”

O amor nunca foi um sentimento altruísta para você, não é mesmo? Ao contrario, é a necessidade que você tem de ser aceito, idolatrado e deusificado por essa merda ai que você é. Culpa da mamãe que te mimou demais. Agora você espera que o mundo te trate do mesmo jeito e esse é o seu grande problema, quando você percebe que nem todo mundo te acha uma graça. Ai você se esconde num canto, se contorce em fúria juvenil e se sente inseguro. Escreve um texto depressivo em seu blog, espera que alguém lhe de atenção. E quando alguém dá, começa tudo de novo. Até onde você acha que vai com isso, gracinha?

“Não me diga o que eu quero ouvir”

O que é pior do que ser subestimado? O que é pior do que uma falsa caricia, uma mentira doce, um beijo amargo? O que é pior do que um fracasso que recebe adornos para se parecer um triunfo, como uma velha que tenta esconder sua feiúra por trás da maquiagem? As minhas lágrimas não me envergonham, o que eu não quero é sorrir sem alegria.

“Antes morto do que legal”

Não tem nada que eles possam me oferecer, nada de atraente. O destino deles é fracassar. Caminho sozinho por esses corredores frios, por este galpão estúpido e conto as horas para o fim do dia, os dias para o fim do ano e os anos para o fim dessa merda. Eles me chamam de morto, riem do meu silencio, zombam do meu desinteresse. A vida chegou ao auge cedo demais para esses coitados que mal sabem aonde pisam. Mas eu sou diferente e minha arrogância me mantém vivo, aquecido e cheio de esperanças. Para mim, uma passagem pelo inferno que irá me fortalecer. Para eles, o mais próximo do paraíso que jamais irão chegar.

“O que diabos eu estou tentando dizer?”

Um grito no meio da noite seria mais eficiente. Seria um alivio grande despertar meus vizinhos com um brado de medo e ódio, um grunhido selvagem, uma expressão honesta do que eu estou sentindo. O que eu vou ganhar me expondo aqui, nessas linhas estúpidas e mentirosas? Quem é que se importa com que se passou pela minha cabeça em uma noite de insônia? Amanhã de manhã sequer vou me lembrar disso.

“Algo no caminho”

Resisti até o final e senti um orgulho tão ingênuo, algo que não vivia desde a infância. Um triunfo afinal, um anseio a menos para carregar. São dias tão cansativos como esse que tornam o sono tão recompensador. Os sonhos vêm e não são tão doces quanto o seu abraço. Eles me esperam em algum bar e o som dos risos fica mais alto. Não tenho mais por que fingir ser o homem que ninguém quer ser. Estou em paz e não me importo se tem alguém mentindo. O que eu sinto é real.