terça-feira, 1 de março de 2011

O Último Bordel

Ainda estava lá, de pé entre um estacionamento e uma barbearia, um totem sagrado, último pedaço de inferno vivo naquele paraíso anti-séptico e mesquinho. Essa rua costumava ser nuvem vermelha carregada de cachaça e putaria. A gente a percorria como uma matilha de vira-latas, uivando e espreitando, escorregando pra dentro, escadaria abaixo, e sempre vinha aquele mesmo cheiro. Cheiro de puteiro, isso ninguém esquece. Mas aqueles eram os velhos tempos, antes da velhice e da especulação imobiliária. A nossa selva tinha minguado num jardim, as putas e os bêbados escoados sarjeta abaixo.

Mas ainda estava lá, ele, o mais belo e imundo de todos. Sem o néon azul, meio envergonhado, disfarçado de sei lá o que, o laçador não laça ninguém, só fica a espera. Aqui eu entrei pela primeira vez, 32 anos antes. Aqui eu entrei, pela primeira vez. Eu e mais quatro temerosos cabaços, forçando a vista na penumbra da putaria. Cinco pivetes arremessados a pia batismal. E um delas não emergiu nunca mais.

Ela pede um drink, eu digo pega lá, hoje homem feito que não nega nada, mas nos velhos tempos, hahaha, não gastava nada e ainda te ximbava. Ninguém atravessa a cascata de néon e retorna impune, ouvi alguma vez em algum lugar, e era verdade. O pior de você vem à tona, era como se o lugar todo fosse uma máscara. Ela volta com uma caipirinha, eu fico na cerveja. Os procedimentos são os mesmos. Uma hora deixa de ser batalha e vira teatro.

32 anos enclausurado. Um bunker mesquinho a prova de tempo e mágoa. Por que eu tive medo. Quatro saíram e seguiram a vida. Bem ou mal, pau no cu deles, chegaram em algum lugar. Eu pensei “antes em lugar nenhum do que no lugar errado”. E perdi tudo que não tive. A paisagem era um teto embolorado e meu reflexo patético em espelhos de todos os quartos de mil inferninhos da grande São Paulo. Algumas trepada boas, outras ruins, mulheres de nomes falsos, às vezes verdadeiros. Não conheci nenhuma delas. Não esperava envelhecer diante desses espelhos.

Quarto 4, o quarto primordial e agora derradeiro. Mesma decoração, lençol, toalhas e camisinhas sobre a mesa. Menina nova, agora quase todas me parecem assim, faz tudo como deve ser feito. Quantos corpos, quantos olhos, quantas gotas de suor antes dela? A paixão é uma fôrma onde despejamos nossos sonhos e medos, e como é frustrante quando a outra parte não tem a forma que escolhemos. Por isso foram 32 anos quebrando fôrmas? Olho o céu embolorado, o corpo jovem que se afasta. E no espelho, o encontro incrédulo de velhas retinas.