segunda-feira, 23 de abril de 2007

Torniquete

Estou pronto pra sentir
Seus contornos vão fluir
Me derrube, me beije aqui
Seu perfume me fez agir

Seus desejos me fascinam
Veja os desenhos que o sangue cria
No escuro um demônio brinca
Me sinto sujo, seu corpo brilha

Venha vagar ao meu lado
Venha e adormeça comigo
Sinta a dor em meus lábios
Me veja beijar o vazio

Sem enganos, sem mentiras
Eu te amo, você respira
Sem parar, sem fingir
Deixe sangrar sem ferir

Tira de couro, um torniquete
Faça um sonho ruir a mente
Cruze os dedos, gire os punhos
Seu segredo está seguro

domingo, 22 de abril de 2007

O Incrível Homem Que Foi Esquecido

Desperto pelo barulho de marteladas na parede de meu quarto, senti um indescritível gosto amargo em minha boca, que encarei como um mau presságio naquela manhã de sexta feira. Ao abrir a porta, descobri ser meu pai o responsável por aquela merda. Ele estava arrumando o batente de minha porta, que precisava de reparos havia meses. Amaldiçoei-o com o olhar, por ele ter escolhido os meus minutos finais de sono para começar o conserto, mas ele sequer me notou. Continuou com seu barulho infernal enquanto eu descia para a cozinha.
Sobre a mesa repousava um copo de café com leite, frio como o desprezo que senti por minha mãe por ter me deixado só aquilo para comer antes da escola. Bebi com desgosto num único gole, e aquela água suja desceu gelada pela minha garganta e se juntou ao gosto amargo que ainda não havia se dissipado. Senti ódio, limpei minha boca com uma toalhinha nojenta e fui embora.
Consegui um lugar para sentar no ônibus, encostei minha cabeça na janela e fiquei pensando em algumas musicas e no que tinha para fazer na escola naquele dia. Estava sonolento e sentindo-me desconfortável. Na verdade eu queria mesmo era tomar um banho. Tinha tomado antes de dormir, mas acordei todo suado, estava me sentindo repugnante. Enquanto acariciava meus lábios rachados, uma garota da minha classe entrou no ônibus. Fiquei esperando ela me cumprimentar, mas ela passou direto por mim e foi para o fundo do corredor. Fiquei puto com aquela vaca na hora. Ela era uma bonitinha esnobe, eu sabia, mas nunca tinha feito aquilo antes. Como se eu desse a mínima, ela podia ficar com os beijinhos na buchecha pra ela. Foda se.
Na classe, eu me sentei na ultima carteira, bem no canto da sala, para que eu pudesse me recostar nas duas paredes conforme passasse o dia. Meus amigos não paravam de falar merda, principalmente sobre futebol e garotas, e eu não estava com espírito para aquilo. Um dos idiotas mostrou um machucado que tinha feito num acidente de moto que me virou o estomago. Era uma ferida do tamanho de uma buceta bem no meio da batata da perna. Fiquei com náuseas o resto do dia por causa daquele estúpido. Na hora do intervalo fiquei sentado na escada enquanto meus amigos conversavam de pé a minha frente. Estava totalmente deslocado e comecei a me sentir mal, uma tontura e minha vista começou a embaçar. Subindo as escadas de volta a aula, eu cai sobre um garoto que me seguro assustado. Ele perguntou se eu estava bem, mas antes que eu respondesse, ele me deixou sentado, e foi com todos os outros lá pra cima. Fiquei totalmente sozinho, com a cabeça enfiada entre as pernas. Me senti um pouco melhor fisicamente, mas estava com saco cheio demais para voltar para a sala. Resolvi ir embora. Achei que o zelador ia me encher para me liberar, ficar perguntando de que turma eu era ou algo assim, mas ele nem se deu ao trabalho. Olhou como se me atravessasse, como se eu nem estivesse passando. Achei ótimo e fui embora sem problemas. No ponto de ônibus, duas garotas começaram a falar um monte de putarias uma pra outra, rindo alto, como se eu não estivesse ali. Elas subiram em um ônibus qualquer, que não era o meu, e pela janela eu as vi rindo, olhando para minha direção. Como se eu me importasse com aquela merda toda.
Por fim meu ônibus chegou, dei sinal, mas o cretino não parou. Xinguei o filha da puta bem alto e esperei mais cinco minutos por outro. A mesma merda, passou direto por mim. Fiquei fudido demais e fui embora andando mesmo. Fui me sentindo um miserável o caminho todo, pensando que porra de manhã tinha sido aquela. A beira da avenida observava os carros passarem e senti uma irresistível atração por aquelas rodas que giravam em velocidade. Pareceu-me por um segundo que embaixo de um automóvel seria um lugar extremamente confortável para se estar, era só se jogar ali no transito e repousar. Afastei esse pensamento estúpido da minha cabeça com um susto e segui para casa. Me sentia um fantasma, um corpo sem vida, uma vida sem dono. Senti-me completamente desconectado de todo resto do mundo, marginalizado por tudo e detestei a todos por isso. Meu estomago ruía na fome e no horror daquelas chagas, e a sensação de abandono atingiu seu clímax em um suspiro que pareceu durar uma eternidade. Disse a mim mesmo enquanto entrava em minha casa, que eu era um fresco, um mentiroso narcisista que gostava de se martirizar. Provavelmente aquele espetáculo patético era só um jeito de chamar a atenção de todos. Mas ao sentar em minha cama, aquela sensação ruim não me deixava. Sem nenhuma surpresa ou admiração, assisti meus braços se tornarem cada vez mais pálidos, até desaparecerem por completo. Minhas pernas e meu tronco murcharem sob minhas roupas e se extinguirem. Em meu ultimo pensamento, antes que minha cabeça desvanecesse, finalmente compreendi aquele gosto amargo. Sobre a cama, restaram apenas meus trapos, como uma fantasmagórica evidência de minha curta existência. Até minha mãe entrar no quarto, dobrar tudo e os guardar no armário, sem aparentar nenhuma comoção. Lá fora faz um belo dia, ela pensou ao sair.

quinta-feira, 19 de abril de 2007

Os Imortais

Na escuridão do seu olhar eu vi meu desespero
Um sonho despedaçar e o amor virar desprezo
As suas mãos me tocam, mas nunca me alcançam
Um coração se cala e uma voz me chama
Eu estou aqui por você, mas não vejo um motivo
Não há nada a se temer, não há nada a ser esquecido

Espere pela tormenta e beije alguém que te odeia
Deseje uma musica lenta e dance a noite inteira
Não há mais damas na pista de contra mão
Não há mais nada à vista além de tensão
Eu não tenho armas e não me importo em perder
A luz estará salva ao amanhecer

Nós somos os reféns de um assassino perfeito
Carregados de desdém cuspimos em seu peito
Mas ninguém nos espera na outra margem
Carregamos as seqüelas e caímos em combate
Nossas almas se consomem demandando por sangue
Todas as falhas eclodem e sinos tocam distantes

Meu triste amor o que foi que a atingiu?
Seu sangue sem cor, sua lucidez senil
O que nós perdemos na mudança da lua
Celebrando o lamento inebriado das ruas?
Quando foi que a esperança se tornou uma lembrança
De um dia sem trevas e de uma noite de insônia?

sexta-feira, 13 de abril de 2007

Enrico, A Lagartixa Niilista – Desperdício de Vinho

Subindo a rua com uma garrafa de vinho vagabundo nas mãos, Enrico se encontra peculiarmente embriagado. Ele limpa os lábios úmidos e engole sem prazer a bebida amarga. Sorri sozinho e se deleita com a sensação de levitar sobre a calçada, acima de toda imundice da cidade. Em frente à igreja evangélica ele encontra um velho amigo, Ciro, um sujeito pequeno e estranho, com os dedos escuros e pupilas dilatadas, típico de um fumador de erva, sempre carregando um caderno velho e sem capa, onde anota seus poemas herméticos sobre tudo que ele pensa a respeito da vida. Enrico o acha bem engraçado e insignificante. Ele sorri e presenteia Enrico com seu hálito de cachaça. Recusa um gole de vinho e convida o amigo para ir ao bordel. Enrico gargalha e se diz sem dinheiro. Ciro diz que só quer se divertir um pouco por lá, sem fazer nenhum uso muito profundo das profissionais lá estabelecidas. Enrico gargalha mais uma vez e os dois seguem em uma marcha ébria para o puteiro. Enrico tenta organizar seus pensamentos, mas eles são rápidos demais e fogem por todos os cantos de sua mente, como fogos de artifícios que por engano foram detonados dentro de um recinto. É realmente uma pena, pensa Enrico, pois esse era um bom momento para um pouco de cinismo. Fica para mais tarde. Na casa de tolerância, eles se sentam em uma mesa escura e observam as garotas passarem. Uma morena de vestido negro senta no colo de Ciro e começa a sussurrar qualquer vulgaridade, que em sua mente limitada de prostituta de cabaré de 10 paus, acredita ser algo realmente erótico e excitante. Enrico engole a sua horrenda cerveja choca de latinha e sente um enorme desdém por Ciro, por sua expressão transformada frente ao assédio da garota e pela excitação incontida em seu sorriso. Sem nenhuma surpresa assiste aos dois subirem para o quarto, onde Ciro quebrará sua tola promessa de bêbado. Uma dor de cabeça decorrente do vinho barato começa a romper sobre a pobre lagartixa e isso aumenta ainda mais seu desprezo por todo aquele ambiente. Ele assiste um homem patético gastar centenas em questão de minutos, pagando tequilas para uma prostituta velha e feia. Duas garotas disputarem um mesmo cliente aos tapas e serem separadas pelos seguranças. Três adolescentes, com certeza virgens, observando de longe a performance de uma striper, encostados no balcão, rindo por trás de suas cervejas e de suas frágeis inocências, tímidos demais para se aproximarem. A cada uma dessas visões, a cada face sórdida daquele buraco sujo, a cada sofrível gole de cerveja, a sua repugnância aumentava. Nenhuma garota tinha coragem de se aproximar dele, pareciam notar um grau acentuado de agressividade naquela estranha criatura esquelética, sentado num canto sombrio e olhando fixamente para qualquer lugar que não era ali. O mau humor de Enrico o fazia fuzilar com pensamentos toda criatura infeliz, odiosa e estúpida que se refugiava naquele inferninho, em busca de companhia, emoção, prazer e todas as outras necessidades básicas humanas a eles negadas. E sua repugnância atingiu o auge ao notar ele, ali sentado em meio aquela imundice, fazendo parte daquilo tudo. Ele quis fugir dali, desintegrar naquele mesmo instante e reaparecer a milênios de distancia dali. Sem esperar por Ciro, ele deu um ultimo gole e foi embora, com a cabeça latejante e um gosto amargo na boca.

Após uma rápida passagem na farmácia e utilizar sem nenhuma prescrição ou moderação uma cartela de uma popular marca de analgésicos, engolidos com um único gole de suco de laranja, Enrico se sentiu psicologicamente mais disposto e resolveu não desistir da noite. Rumou para o bar mais próximo e pediu uma dose de caipirinha que escorregou deliciosamente por sua garganta a caminho de uma agitada madrugada em seu estomago. Com agradável surpresa notou duas belas garotas sentadas em uma mesa, tomando cerveja e rindo, parecendo totalmente deslocada naquele ambiente decadente. É claro, dava pra notar a quilômetros de distancia que elas estavam completamente chapadas. Enrico se juntou a elas, que se mostraram bem receptivas a ele. Elas eram simpáticas e de conversa fácil, riam de qualquer idiotice sem sentido que ele dissesse e bebiam num ritmo assustador. Porém, algo se abateu sobre Enrico. Foi completamente inexplicável e instantâneo. Um olhar trocado entre as duas, uma risada em um tom forçado, talvez algo leviano que foi dito, ele nunca soube ao certo. Mas algum tipo de paranóia foi despertada dentro dele e ele sentia que estava sendo mal tratado por aquelas meninas. Era uma certeza absoluta de que elas riam dele e o humilhavam, estavam ali apenas para brincar com a sua cara, se aproveitarem dele como se ele fosse algum coitado ou um idiota. Conforme essa certeza crescia, um enorme desconforto invadiu seu corpo e uma fúria contra aqueles rostos belos e ébrios se fez avassaladora. Com uma expressão assustadoramente vazia, Enrico se levantou e deixou o bar, sem dizer uma palavra de despedida. Enquanto andava pelas ruas, sem saber para onde ir, aquela raiva angustiante ainda borbulhava dentro dele e ele desejava encontrar uma forma urgente de externá-la. Ele queria socar algo que não sabia o que era, algo inalcançável e impenetrável que se punha em seu caminho. Ele queria bater nessa barreira invisível até seus punhos sangrarem, seus pulsos quebrarem e seu espírito estivesse em paz. Toda aquela noite parecia simbolizar cada um de seus fracassos e cada falha em seu caráter estava exposta de maneira irreversível, estava tatuado em sua alma. A madrugada estava perdida e nada poderia ser feito agora, a não ser ansiar por uma nova chance, uma noite onde ele pudesse beber, se divertir e voltar para casa com boas historias engraçadas para se lembrar, ao invés de uma seqüência patética de eventos que com muito esforço serão esquecidos. Em frente a sua casa, Enrico observa uma estranha movimentação em um bueiro. Aproxima-se e sorri frente à cena selvagem e dramática que ali se desenrola. Uma grande quantidade de formigas ataca uma indefesa barata e a come viva. Por um instante aquilo pareceu extremamente agradável para Enrico e ali entre aqueles animais rastejantes e imundos ele se sentiu confortável. Pela primeira vez na noite, estava em paz.

sábado, 7 de abril de 2007

O Vale

Eu sigo embriagado na fantasia
As ruas encurtam e o vento me guia
Como um cego, atravesso o vale
Ignoro os rostos que desejo tocar
Passos incertos revelam detalhes
Provo o gosto e sinto meu corpo falhar

Eu a coloquei em meu sangue e esperei sentir o seu bem
Seus toques agora distantes, eu ainda me sinto refém

Encontro o meu conforto na brisa do sonhar
Nenhum de nossos encontros precisa do luar
Sozinho, encaro o brilho dourado
O deserto se estende e eu continuo a vagar
Perdido entre escombros do passado
Nego o presente recusando a acordar

Quando eu caminhar com a cabeça erguida
Sem esconder o olhar e minhas feridas
Enquanto a névoa envolve o meu futuro
Fujo pela noite e não acredito em saídas
Enquanto eu me rendo á delírios diurnos
Deleito-me em desejos e anestesio a vida

Ela aquece a madrugada
Espero a chuva que vai chegar
Vivo as horas que estão guardadas
Vivo a gloria daquele olhar

Ela viaja através de mim

quinta-feira, 5 de abril de 2007

Sonho de Éter

Lentas dilacerações formigando na pele. Uma leve levitação sobre as barreiras que me reprimem. Eu sou alguém que nunca existiu, um personagem que se esconde nas profundezas das minhas entranhas. O espelho reflete um ser completamente estranho a mim. Deuses e Deusas testemunham minha ascensão, toco os céus com um beijo e desperto sozinho, longe de qualquer compreensão, ouvindo apenas os ecos de alguns risos. Há um anjo caído sobre a cama e ele está marcado sob o signo da miséria. Em silêncio ele me diz palavras verdadeiras demais para se acreditar. Os seus lábios sangrentos e seu olhar vazio jamais se movem, apenas confessam. Eu estou aqui, mas jamais estive, sou apenas um delírio alheio, parte de alguma fantasia perversa de um sonhador solitário. Minha carne e meu ego ficaram lá fora, hipnotizados pelas luzes do trânsito, comunicando se através de murmúrios e olhares cheios de tédio juvenil. A névoa que me cerca não quer me abandonar e por mais que eu tente, todas as minhas fugas continuam a falhar. Eu percebo você me observando enquanto me julga distraído. Noto seu interesse mover se como um pêndulo, do fascínio ao desdém em questão de momentos. Eu ofereci minha carne em seu sacrifício, expus meus temores, desfigurei meus delírios e te presenteie com inimaginável afeto. Em troca você esbofeteou meu rosto com a frieza do seu olhar, feriu-me com seu cruel desinteresse e me abandonou no mais devastador e escuro silêncio. Agora você retorna a mim, sorrindo em pesado remorso. “Remorso do que?” pergunto eu sorrindo de volta, ante a sua desnecessária comoção. Seu instinto estava certo ao me agredir tão covardemente e admirável foi o modo como você pisoteou sobre minhas pretensões. Você se libertou de uma insana fantasia, aonde por certo eu iria te fazer sangrar. Você fugiu de uma jaula de insanidade e sujeira e de forma ilesa atravessou este vale infértil onde eu tentei te abater e finalmente se refugiou fora do meu alcance. Sob a sombra de uma árvore morta eu te vejo brincar no seu belo jardim e me sinto feliz por você estar tão longe de mim. Sou apenas uma criatura pálida que vaga por ruas pavimentadas sobre o próprio medo. Mais um entre tantos sonhos esquecidos. Não tente me abraçar com promessas doces e ternas. Não tente imaginar os caminhos que percorre minha mente. Na existe amor maior que meu desprezo. Ouça o Anjo e seu sábio silêncio. Não se apaixone pela vertigem.