quarta-feira, 22 de abril de 2009

Presque Vu

Solo impróprio para idéias,
A morte é o sono disperso
Vinda do ventre da primavera.
Mas eu me repito quando
Silencio-me diante do apático,
Diante da tragédia.
Qual a metáfora adequada
Para exprimir todo esse
Tempo perdido?

Desejo adestrado, adequado
Ao meu quadro de promessas, ao
Meu peito ardente e carente de trégua.
A ti, eu só peço que venere
As minhas feridas
As minhas batalhas fracassadas
Me redima,
Perdoe-me por não ousar ser este ser.

Sol morno sobre a têmpora,
Cortina suja aparta a multidão
Das minhas seqüelas.
É mais um dia turvo aos olhos daquele
Que não tem pressa, entre tantos
Que passam ser saber que o momento
Acaba de se perder.

quinta-feira, 16 de abril de 2009

Jornada rumo à inexistência

Emergir de um sonho e ser incapaz de se reconhecer. O que sobrou daquele que adormeceu? Eu sonho com o céu noturno do deserto, eu corro livremente sobre a areia fria. Eu sonho com a gentil selvageria de uma noite eterna. Eu desperto em um mundo muito menos real e sem vida. Mas uma mudança se operou, uma reação é desencadeada. Os sonhos trazem sempre as suas conseqüências. 

Sem propósitos, sem saídas. Estou no seu colo, tenho cinco anos. Ele estará morto antes que eu complete doze. Eu não preciso de desculpas, nem de um paraíso. Eu tenho a lembrança, eu conheço o vazio.

Diante de mim um oceano de possibilidades. As minhas costas, uma praia de lembranças. Eu sou um ponto instável em meio à eternidade. Anseio e remorso, e o deleite está na cegueira e na amnésia.

Alucinação auto - induzida. Eu não quero paz, eu quero seu vício. Acariciando as falhas de um lábio ferido, eu acrescento a minha mágoa mais uma paixão pueril.

A existência é uma seqüencia de eventos que transcende a vida e a morte. Uma estrela morta há milênios ainda existirá enquanto formos capazes de enxergar seu brilho. “Viver e morrer, é apenas uma escolha”, pensou o suicida antes de mergulhar no trilho do metrô. Ele estava certo, mas isso não bastou para libertá-lo. A sua memória permanece, assim como a sua dor.

Os segundos que precedem queda são preenchidos por uma prazerosa letargia. A vista esbranquiçada pela névoa, a contradição desfeita pelas trevas. Não há sofrimento no palácio das ilusões.    

No fim da noite, onde as esperanças desvanecem e os sonhos são negros, é pra lá que a estrada me leva. Eu escolho ignorar profecias e silenciar meus demônios. Eu quero o abraço seguro das trevas. Quando meu coração extinguir a vaidade, o ímpeto e a inquietude, serei a mudez eterna de um sonho escuro, e então tocarei as areias frias da inexistência.

O silêncio tem meu nome e meu peito foi feito pra morrer. Eu sou uma doença sem cura, eu sou o que resta. Eu sou a espera do que nunca pode ser.

segunda-feira, 6 de abril de 2009

Bebendo com Takeshi

Gabriel Gabay e Enrico Roccato encontram o velho Takeshi em botequim prestes a fechar. O vizinho de Gabriel, conhecido no bairro por sua alta tolerância ao álcool e por eventuais crises histéricas, convidou os dois amigos para beber uma garrafa de uísque de proveniência duvidosa em sua residência. A seguir, um relato resumido deste evento.

02h11 – GARRAFA CHEIA

ENRICO
Então, uísque? Não curte saquê?

TAKESHI
Curto. Se tiver álcool eu ponho pra dentro.

GABRIEL
Discos legais, Janis, Doors, Hendrix...

TAKESHI
É. É da minha época.

ENRICO
Como você era nos anos 60?

TAKESHI
Igual agora, só que mais bonito.

ENRICO
Curtia política, aquele lance hippie?

TAKESHI
Porra nenhuma. Aqueles esquerdóides era uns escrotos, cheios de regras, de frescuras... eram iguais aos militares, nem um pouco melhor.

ENRICO
Eram intolerantes também, né?

TAKESHI
Porra, demais. Revolução cada um tem a sua, na sua cabeça. O resto é merda.

ENRICO
Você teve a sua revolução?

TAKESHI
Eu fui criado por japoneses tradicionalistas. Olhe pra mim agora? O que você acha?

ENRICO
Certo.

TAKESHI
Eu vivo sob as minhas regras

GABRIEL
Outro dia eu estava no metrô e estava escrito “Nunca ande nos trilhos”. Cheguei à conclusão que as únicas regras que merecem ser seguidas são aquelas que não precisam existir.

02h47 – ¾ DA GARRAFA CHEIA

TAKESHI
Eu tinha um amigo publicitário. Uma vez um grupo de vegetarianos pediu para ele traduzir o slogan “Meat is a Murder” pra eles, mas não só traduzir, mas fazer um lance de palavras legal, em português. Sabe o que ele conseguiu?

GABRIEL
O quê?

TAKESHI
Escutem bem. “O Assado é um assassinato”.

ENRICO
“O Assado é um assassinato?”

TAKESHI
(rindo)
É! Ele nunca mais trabalhou pros caras, você pode ter certeza.

03h23 – ½ GARRAFA CHEIA

TAKESHI
Então eles te mandam pra escola, eles te ensinam todos esses valores horrorosos como posse e ganância, eles te treinam para ser mão-de-obra, não pra ser uma pessoa livre. Escutem muleques, isso tudo é bosta. Vivam suas vidas, jantem umas xoxotas, viagem pra bem longe, onde tudo é selvagem e vivo. Vocês vão se foder de qualquer jeito, mas se fodam do jeito divertido.

ENRICO
Mas há futuro nisso? Quero dizer, eu concordo com você, mas quando você foge da escravidão do sistema você não se torna escravo da marginalidade? Quero dizer, você faz uma escolha que talvez não possa mudar...

TAKESHI
Meu filho, isso tudo é merda! Você é escravo do seu estômago, da sua cabeça e do seu pinto. Sempre! É isso. No final das contas você vai acabar sozinho, num quarto de hospital, numa sarjeta ou no presídio. Qual a diferença? Por que viver uma vida inteira através de termos que não são seus?

GABRIEL
Eu tenho medo de ter uma vida medíocre...

TAKESHI
Ótimo! Já é o primeiro passo pra não ter uma. Todo mundo quer a liberdade, mas todo mundo tem medo dela também, por que ser livre significa abrir mão de todo o resto. A liberdade é a forma mais solitária de se amar.

ENRICO (arrotando)
Bonito isso...

03h50 – ¼ DA GARRAFA CHEIA

TAKESHI
Seus putos...

ENRICO
O quê?

TAKESHI
(murmura algo incompreensível)

GABRIEL
Sabem, hoje eu estava na estação de trem... e... eu olhava todas aquelas pessoas e...
Bem, eu pensei, “O QUE DIABOS NÓS ESTAMOS FAZENDO NESSE PLANETA?”

ENRICO
É... foda

GABRIEL
Foda? É ridículo. Onde as pessoas vão com tanta pressa? Elas não chegam a lugar nenhum no fim.

TAKESHI
Agora sim... isso mesmo... seus putos...

ENRICO
O quê?

04h20
A GARRAFFA ESTÁ VAZIA

GABRIEL
Acho que estou apaixonado...

ENRICO
Hum... e o que você pretende fazer a respeito?

GABRIEL
Eu não sei... bater com a cabeça na parede até passar, provavelmente...

ENRICO
Isso parece tão sensato quanto ficar apaixonado

TAKESHI
(acordando)
Uma vez eu me apaixonei. É uma merda, você não se apaixona por uma mulher, se apaixona por um sorriso...

ENRICO
Por um sorriso?

TAKESHI
Pois é! Ai quando o sorriso se desfaz, o que é que você tem?

ENRICO
Uma piranha chata te aporrinhando?

TAKESHI
(berrando)
É! Essa merda é uma coleira...

GABRIEL
Vão se fuder! Você sabem o que é... o coração sangrando e sua cabeça implodindo? E você olha para aquela pessoa e você não sabe o que fazer para ela entender o que você sente e o que você é... Que merda, você vem me falar de um sorriso... eu quero saber o que esconde o sorriso... eu quero ser o motivo do sorriso... você entende isso, seu velho puto?

Nesse momento Takeshi atira a garrafa de uísque na parede, chuta móveis e esmurra as paredes enquanto berra de maneira desvairada. Enrico e Gabriel deixam a casa, a garrafa despedaçada e o velho sozinhos.