sábado, 27 de dezembro de 2008

Queda Livre

Sentado no parque, encarando uma cascata artificial, cercado por árvores sem pássaros e flores de vinil. Música relaxante sai dos alto falantes, ritmando os passos de mulheres de meia idade em sua caminhada matinal. Tudo é simétrico. Tudo é sem vida. Tudo é silêncio. A batida do meu coração está fora dessa suave sincronia. Meu estômago geme de dor e minha cabeça pulsa na ressaca e na tormenta de furiosos pensamentos que não cessam. Eu não pertenço a este lugar, eu não me encaixo nesta cena. Para onde então? De onde foi que eu me perdi? Eu me sinto em carne viva, dolorido e indefeso. Todas as feridas expostas, todos os desejos revirados, mente e espírito postos em xeque. A verdade veio à tona, mas isso não significa que eu estava preparado para lidar com ela. Eu olho ao meu redor e não sei o que esperam de mim. Eu olho para meu interior eu não sei como preencher esse vazio. Talvez o limite da razão humana seja reconhecer que é refém do instinto, como no momento eu percebo que estou em queda livre e nada posso fazer a respeito. E saber não traz nenhum alívio. Talvez o alívio seja o final da queda. Talvez não haja resposta. Talvez a vida seja um paradoxo sem sentido. Talvez eu seja apenas um desvario de um deus insano, um breve delírio que brilhou na escuridão do infinito antes de desvanecer pela eternidade. Talvez eu esteja apenas confuso. Talvez eu seja apenas um garoto. Evitar o sono parece mesmo uma maneira estúpida de lidar com tudo isso, mas o que eu devo fazer a respeito dos meus sonhos? Como eu posso me encarar agora? Tudo que eu sei é que eu odeio essas flores falsas e que o silêncio das árvores é um peso sobre mim.

 

Veja lá fora quem foge tão cedo

Veja o menino que quer ser maior que os deuses

Tentando cegamente desvendar o segredo

Sequer consegue desvendar a si mesmo 

quinta-feira, 18 de dezembro de 2008

Glória

Toda dia, na mesma hora da noite, eu sinto essa dor de cabeça e esse vazio no peito. Eu tenho que ficar vadiando por ai, dando voltas no quarteirão, para só então ir pra cama, completamente exausto, evitando assim ter que passar horas encarando a escuridão na desagradável companhia dos meus pensamentos. Eu estive tempo demais comigo mesmo, me analisando, olhando através dos meus desejos mesquinhos e das minhas frustrações e agora eu não suporto mais ser o fracasso enrustido que eu sou. Eu queria ter a coragem de me tornar um fracasso completo. Eu queria ter a integridade que se precisa ter para desistir. Eu ainda sou tolo o bastante para sonhar com alguma forma de recompensa, algum tipo de satisfação narcisista. Eu ainda sonho com glória, seja lá o que for isso. 

Eu li a respeito de um menino Buda que vive no Nepal. Aparentemente ele pode ficar meses sem se alimentar, meditando e peregrinando pelas selvas. De vez em quando ele aparece e conversa com as pessoas. Eu tenho uma inveja do caralho desse cara. Ele tem 18 anos e já descobriu que o custo da liberdade é desistir de si mesmo e vomitar essa porra toda que te empurram goela abaixo desde o minuto que você nasce. Perambular pela floresta em busca de paz interior e autoconhecimento, o que pode ser mais transgressor do que isso? “Fodam-se vocês com suas patéticas ilusões amorosas e seus planos de carreira! Eu não preciso dessa merda! Isso é veneno para o espírito!”. 

Sabedoria é mesmo uma qualidade dos fodidos, dos sem esperanças, daqueles que ultrapassaram a cortina de fogo do egocentrismo e descobriram o que há por trás da miragem. Eu queria ter a audácia para isso, mas eu sou mimado demais. Muitos sonhos de glória ainda terão de ser despedaçados antes que eu decida partir para a escuridão das selvas e não me sinta só na companhia dos meus pensamentos.

quinta-feira, 11 de dezembro de 2008

Amor

Eu espero amor do infinito ao começo
Lanço meu peito em desafio ao desespero
Amo em resposta ao vazio do teu desprezo
A nossa dor é a sobra do mesmo inteiro

E não me importa o teu exército
Eu sou eterno, pois o universo
É feito de mim

Eu te espero em toda a parte
Teu sangue aquece, pois minha carne
É feita de ti

Eu vejo o infinito refletir o segredo
Secreto é som que ecoa em meu peito
Infinitos sonhos reverberam o desejo
O nosso ódio é a raiz do mesmo veneno

Eu trago luz à tua miséria
Eu sou a quebra, pois minha guerra
É feita assim

A tua baioneta não me derrota
Eu sou a afronta que ressoa
Viva até o fim

A minha pele encobre um precipício
Sonhos despedaçados levam ao paraíso
Pois a travessia é feita de dor
Além da dor resta apenas vazio

Meu espírito quer a redenção da verdade
Libertar o ego servil ao disfarce
Pois o infinito é feito de amor

Além do amor resta apenas miragem

quinta-feira, 4 de dezembro de 2008

Vermes

Feridas, delírios, fetiches
Um abismo que busca consolo
A amarga verdade é tão simples
Seu silêncio perturba meu sono
Paixão que conduz a demência
Instintos perdem o controle
Um amor maior que a existência
E tudo é tão vazio como antes

Por favor, ainda não me abandone
Faça tudo, mas fique por perto
Esse desesperado nojo que me consome
É o mais perto que eu já tive de um afeto

Em busca da droga perfeita
Percorro galerias de ilusões
Abandono a noite desfeita
Um anjo sussurra revelações
Auto-indulgência me leva ao ridículo
Espero carícias na escuridão
Seu toque é vulgar e abrasivo
Você é um bom motivo para a solidão

Ainda enxergo o menino
Que grita por socorro
Drenando o espírito
Até um ponto sem retorno
Madrugadas se perdem
A cidade banhada em sangue
A selvageria me impele
Mas nunca é o bastante
Da euforia ao lamento
Eu só desejo vingança
Se aconchegue em meu peito
E se deleite com as chamas

quarta-feira, 3 de dezembro de 2008

Carcaças

A metrópole pulsava quando o céu violeta elétrico da noite foi tingido pela lava da aurora. A atmosfera envenenada cobria as intermináveis malocas da periferia, solidificadas sobre lodo e miséria. Uma multidão de mutilados trafegava por entre as avenidas imundas que ligavam o subúrbio ao centro, levados pela transe tóxica dos veículos de transporte de  massa. Práticas milenares de genocídio cotidiano garantiam a moção das engrenagens da grande máquina. Primatas presos a um estágio intermediário da evolução onde a percepção é limitada por cinco sentidos sensoriais, dogmas religiosos e tabus sociais. A política de Estado é o infanticídio via lavagem cerebral. O processo consiste em saturar a mente da população ainda na infância com valores decadentes e a abstração da capacidade criar/questionar. Os resultados são humanóides adulterados, enclausurados na ilusão de sua própria individualidade, masturbadores arrogantes cheios de certezas e vazios de imaginação. Fábricas movidas por operários lobotomizados e estimulados por cocaína, servindo eternamente a manutenção de sua própria escravidão. Virá o dia em que das entranhas fétidas de um aterro sanitário, um anjo com asas feitas de lixo irá pender sobre toda nossa sordidez infecciosa e anunciar que o apocalipse já aconteceu, nós apenas não percebemos, ocupados demais com nossas guerras tribais, interesses mercadológicos e fantasias românticas de narcisismo depravado. O mundo acabou, nossas almas foram julgadas e condenadas. Ninguém foi avisado, pois nós matamos todos os nossos profetas. Todos eles apodreceram em sarjetas ou quartos de hotéis baratos, com os corpos decompostos por heroína e álcool, as mentes feridas por mentiras, desprezo e intolerância. Nosso modo de vida insano matou as únicas vozes sábias e agora nós podemos nos deleitar com nosso banquete de sangue e sêmen, alimentando continuamente nossos cérebros atrofiados de holocausto em holocausto. A orgia das sensações satisfazendo nosso instinto anêmico de auto-preservação, a ambição e angústia são nossas motivações existenciais. Tumores desenvolvidos via estática, a ilusão de liberdade é a forma mais eficiente de opressão. Carcaças errantes e sem sonhos, somos viajantes  abandonadas a deriva por qualquer força criadora que tenha cometido o erro de nos permitir existir.