quarta-feira, 26 de março de 2008

Inexorável

Já passou das duas e eu ainda estou aqui, encarando as infinitas obscenidades que se escondem nessa folha em branco. Porra. Tem uma paisagem árida na minha cabeça, um jardim sem flores, um quarto de hotel barato, um espelho despedaçado, uma cicatriz enorme em meu peito. Um sujeito de olhos flamejantes me apontando, sussurrando suas profecias. Merda. Eu só sou um moleque e ela é só uma menina, corta essa baboseira agora. Já reparou no desdém de um homem após o gozo? Uma vez trepei na frente do espelho e fiquei apavorado com o que vi. Parecia Lúcifer no momento em que olhou o Homem de cima pra baixo, um anjo profano de lábios sangrentos, desprezando a criação, fascinado pela própria beleza. Jesus Cristo! Tinha bebido tanto naquele dia que me sentia o próprio Messias. Era Maria Madalena quem eu penetrava, acho eu. De qualquer forma, somos jovens demais para distinguir amor de luxuria. Só vamos descobrir quando está tudo consumado, feito e fodido. E para que nós iríamos querer uma sujeira dessas, minha Musa ímpia? Continue ai, intocável, idealizada, perfeita. Não corte a minha brisa, não arruíne minha inspiração. Me deixa aqui, fingindo-me de morto, posando de poeta, encarando as infinitas obscenidades que se escondem por trás de cada alma. Dádiva dos Deuses, seu silêncio é minha melodia.

sexta-feira, 14 de março de 2008

Domingo de Ramos

Por mim, silencie meus sonhos
Resfrie meu corpo, não me deixe crer

Por mim, desengane o desejo
Renegue o beijo, faça o amor morrer

Na incerteza eterna que me faz vagar
Na imensa espera de cada olhar
Sussurro o seu nome
Suave como navalha

Por fim, eu não busco consolo
Seu abraço morno de quem não sabe o que quer
Por fim, ignoro o retorno
Os traços de seu rosto esquecerei se puder

Nas longas noites vazias e secas
No horizonte, onde a promessa queima
Sussurro o seu nome
Suave como navalha

segunda-feira, 10 de março de 2008

Sussurros

Ela toca o meu nervo
Ela sabe que não quero dor
Ela me olha em segredo
Espera o frio me expor

_______________________Desdenho a dor com um sorriso
_______________________O meu ímpeto não quer descanso
_______________________No abraço quente de meu delírio
_______________________O amor é a lâmina dos insanos

Ela morde os meus lábios
Ela sabe apreciar meu gosto
Ela foge pelo quarto
A sua carne vem ao meu encontro

_________________________Rituais noturnos elevam o espírito
_________________________Mãos trêmulas vasculham meu corpo
_________________________O corte profundo, um olhar perdido
_________________________A brisa suave de nosso sono...

Me aqueça com seu fetiche
A pele queima, mas resiste
Viagem ilimitada entre as paredes
Beije a marca, não está tão quente

_________________________Mas se você me mantiver aquecida
_________________________Amanhã ainda estarei com você
_________________________Acariciando cada uma das feridas
_________________________Beijando seus lábios com desdém

sábado, 1 de março de 2008

Amores Efêmeros

Gabriel Gabay, 6:03 AM – São Bernardo do Campo

O fluxo de consciência de Gabriel vaga em direção a lucidez após horas de insanidade induzida por uma noite de excessos. A instabilidade emocional, insegurança em relação ao futuro e questionamentos existênciais, típicos de um jovem, são os tópicos deste discurso, desencadeado após um encontro inesperado na Estação Consolação. A sub-filosofia elaborada com a mente entorpecida não é em momento algum negada, mas reforçada por argumentos mais consistentes, ainda que improváveis.

A vida é regida por nossas escolhas ou somos reféns de fatores acima de nossa compreensão? Já está tudo definido por nossos genes, mapas astrais e homônimos ou somos nós quem construímos nossas próprias identidades? Eu estou cansado. Idéias se repetem, dia após dia. As semanas passam velozes, assim como as certezas. Como posso achar uma motivação sólida, se a cada segundo uma nova paixão explode na minha cabeça? Descendo do ônibus em uma manhã de domingo, admirando o prenúncio de uma tempestade no céu, eu sinto que deixei de fazer alguma coisa, uma missão incompleta. Há algumas semanas, quando a tive em meus braços havia um senso de certeza muito grande em mim, mas hoje nós éramos apenas estranhos, sem ressentimentos, constrangimento ou danos. Não me sinto triste ou decepcionado. Acho até que escapei de cometer um erro infantil. Mas é perturbador perceber as miragens que crio e com que facilidade me deixo levar por elas.

Acho que estou buscando um novo paraíso por segundo, um orgasmo longo, uma vida a prova de tédio. Senso de realização pessoal, contribuição social, que o apocalipse venha e enxágüe para longe todo o mal da humanidade. Uma nova droga que me faça olhar para o abismo da existência e compreender meu papel nessa grande piada que é e a experiência humana. Um modo de secar as lágrimas fúteis, iluminar corações e avisar a todos da boa nova. Eu achei que fosse ela a resposta, assim como tantas outras antes, mas eram meros escapismos, o desejo narcisista de abrir mão da liberdade em troca de conforto, de ser amado pelo que nunca fui. Eu busco uma nova utopia, uma aldeia selvagem, perdida em um limbo subconsciente da alma de cada homem, onde todos compreendem que nada são sozinhos. Uma revolução na mente da humanidade, imprescindível a uma revolução social. Não podemos planejar um novo mundo, se somos incapazes de nos desprender do atual.

Ao questionar tudo que passa diante de meu olhos eu estou aprendendo algo ou me privando dos prazeres mais mundanos? Sinto-me ansioso por algo novo a cada instante, mas nunca é o suficiente. O tempo todo a fantasia de liberdade, distante de obrigações, regras, silêncios constrangedores e julgamentos. Viver como um eremita, sereno, desprendido das vaidades que muitos julgam virtudes, ciente da própria insignificância. Quando despenquei daquela janela e emergi das trevas da inconsciência, a realidade diante de meus olhos me pareceu tão fútil e vazia. Algo mudou em mim naquele dia, como se tudo que houvesse ocorrido antes não passasse de uma preexistência, um rascunho de quem eu deveria ser. Quando estava apagado, tive a impressão de ter conversado com alguém, e diante dele eu me sentia uma criança. Talvez fossem anjos obscuros me fazendo uma profecia. Talvez fosse o resgate me socorrendo, mas quem é que vai saber? Acima de mim o céu se torna ainda mais hostil, e vejo a beleza nesta fúria cinzenta. Acaricio meu antebraço, onde ela me tocou pela última vez e tento emular algum sentimento, mas nada acontece. Desejo que os anjos voltem a me visitar, talvez num sonho, talvez em um delírio. É tempo para mais uma metamorfose.

O protagonista adormece. Os sonhos não serão lembrados, mas as impressões permanecerão com ele. Nada mais a ser relatado.