sábado, 26 de maio de 2007

O Ballet dos Malditos

Música de cabaré tocando alto, como se a única coisa que importasse fosse escutar o que aquele homem desesperado tinha a dizer sobre seu amor perdido. Vinho doce e barato escorrendo de seus lábios, manchando os punhos da camisa e reduzindo o mundo a uma dança espectral e vertiginosa.
Sim, ele dançava, como numa convulsão, um gesto involuntário de alegria e abandono. Abraçava a si mesmo com delicada ternura, e seus olhos se mantinham fechados, como se visualizasse a beleza de seu próprio desespero e pudesse apreciar o lirismo daquela cena patética.
E ao final da música abre os olhos e presenteia o universo com seu sorriso deliciosamente insano. Torturando os hipócritas que riam e tentavam negar o próprio absurdo de suas essências, aquele acrobata ébrio era a única verdade naquele salão. E com um perfeito domínio de cena e conhecedor do senso de fascinação que despertava em todos, fez uma final reverência, se ergueu olhando para o infinito e desabou descordado no chão. Sob as luzes vermelhas da pista, o bailarino havia encerrado seu espetáculo. E o silêncio que se sucedeu à sua queda foi inesquecível.

sexta-feira, 25 de maio de 2007

Espasmos...

Pupilas dilatadas, carne trêmula, lábios rubros e suor quente. Eu estou no abismo.

Silêncio ensurdecedor, feridas ardentes, o ar é seco e as paredes sangram. Um indefinível gosto toma posse da minha língua, um sonho sem cores se projeta no teto e o chão frio faz minhas costas adormecerem. Sinto medo de sentir prazer.

Coração pulsante golpeia meus ouvidos, recuperando fôlego em um esforço continuo. O contato entre nossas peles origina um arrepio gélido e impiedoso. No escuro vejo o seu sorriso.

Mãos que se contorcem e não encontram saída. Murmúrios que são ordens que não fazem nenhum sentindo. Desejos entram em colapso em uma sucessão de aneurismas. Um rápido espasmo dilacera meu ímpeto ante o final gemido. A névoa me cega e me faz ver.

Eterno despertar, despertar dolorido. Meu corpo é uma emenda de cicatrizes e delírios. Vazio, vazio e vazio que eu preencho com dor e deleite nesse incesto diário. Intenso rubor se alastra por meu rosto, imperiosa flor me domina com seu incenso e uma fúria cega me aquece nessas madrugadas de tormenta. Faminto e desnudo ainda espero por seu beijo.

domingo, 20 de maio de 2007

O Garoto Que Não Podia Esquecer

Olhando através de seus olhos eu continuo mentindo. Estuprando a minha memória, eu me flagelo esperando uma recompensa. A sua atenção talvez. Um sorriso que seja.
Sentando sobre essa pilha de vaidade, cada pose e cada gesto parecem ser coreografados, repetidos, roubados de alguém muito mais interessante do que eu. E cada vez que você me ignora eu sinto meu mundo esmorecer.
Eu insisto nesse esforço fútil de ganhar seu afeto e interpreto inúmeros papéis, buscando o meu próprio nome. Mas diante do seu deboche, do seu sorriso cínico, eu sou abençoado apenas com desprezo. Talvez não seja sua intenção, mas sinto que cuspiram em meu rosto.
E cada demonstração de rejeição, cada palavra de escárnio, todos os seus olhares gélidos, tudo fica gravado em minha memória como uma cicatriz. Eu me esqueço facilmente dos momentos de euforia, mas o desalento não se desvanece tão fácil. Eu fico a noite toda acordado, revendo as mesmas cenas, me torturando com meu próprio fracasso.
Você me encheu com um sentimento de auto piedade tão nojento que sinto repulsa de mim mesmo. Me reduziu a um clichê tão patético que o simples fato de eu existir se tornou duvidoso. Depois de você tudo que restou foram noites em claro, escrevendo cartas estúpidas que ninguém jamais vai ler, e esse sentimento de desapego, que cultivo com entusiasmado narcisismo.
Olhando através de seus olhos eu não vejo nada. Seus olhos nunca olharam para mim. Seu sorriso nunca se abriu por mim. Sua respiração nunca prendeu por mim. O seu blefe foi tão perfeito que aceitei seu desprezo como uma dádiva.
E no meio dos meus sonhos eu ouço o seu chamado, eu desisto desse outono cheio de lágrimas. Nada do que você for pode ser tão intenso quanto o vazio que eu sinto em não te ter. Nenhum beijo seu pode ser doce suficiente para fazer o amargo da lembrança desaparecer. Que desperdício foi sangrar por alguém como você.
Eu perdoou seus insultos, sua graça, eu ignoro seu desdém. Eu absolvo minha falha em adorar você. A sua imagem está gasta, desbotada, perdida em minha mente. Eu nem ligo se você acha que eu fui a coisa mais irrelevante que cruzou a sua rota. Mas a mentira que você me devolveu e me ofereceu tão cruelmente, isso eu nunca vou esquecer.

domingo, 13 de maio de 2007

Noite Após Noite

Na escuridão dos dias, quando nada tem sentindo
Quando a loucura ímpia me aquece com seus espinhos
Eu me sinto deslocado com meus pecados impunes
A imagino ao meu lado e sinto falta do seu perfume
Na perfeição do seu sorriso, na doçura de seus lábios
Eu desperto por um motivo e desfaleço anestesiado
Eu me corto toda noite só pra me ver sangrar
Eu me corto toda noite e ninguém parece se importar

Na dor do silencio eu posso ver
Destilando o veneno, esmorecendo com prazer
Refém dos caprichos e das lagrimas intimas
Adormeço sobre os lírios e desperto sem vida

Desistindo dos meus sonhos eu aceito este pacto cruel
Açoitando o meu corpo, vendo por tão pouco o meu céu
Suicídios sucessivos, a cada noite ela é mais bela
Se aproximando em um vacilo, eu mutilo suas pétalas
Noite após noite eu a encontro no silêncio escuro
Ridicularizando meu esforço com seu sibilo tão confuso
Outonos se desperdiçam em elegias tão banais
Palavras não te diriam como meu ímpeto se desfaz