quinta-feira, 23 de outubro de 2008

Performance

Carlo era o pior suicida do mundo. Oito tentativas em seis anos, todas fracassadas. Suas motivações eram as mais variadas, de desilusões amorosas ao simples tédio de existir. Era um sujeito pequeno e taciturno, trabalhava como bibliotecário e dedicava suas noites ao seu projeto de morrer. Sua última experiência, envolvendo um maçarico, uma corda e uma pesada peça de chumbo, resultou em concussões, feridas, mais dor e nenhum alívio. O seus sucessivos fracassos e seus elaborados sistemas de suicídio chamaram a atenção da comunidade artística internacional. Agora as suas máquinas de autodestruição estão expostas em museus como obras de rara criatividade e hoje Carlo é um feliz artista performático. Carlo, o suicida, nos mostra o absurdo de viver, dizem os críticos.

segunda-feira, 13 de outubro de 2008

Paraíso a qualquer segundo

Meditação transcendental lúdica suburbana sem
seqüelas
Iluminação espiritual anunciada nas páginas

amarelas
Masturbação coletiva tântrica hedonista

pós-moderna
Nirvana plastificado comprado na boca da

miséria

Diagnósticos psicanalíticos produzidos em escala industrial
Autoconhecimento instantâneo introduzido através de sonda retal
Consciência limpa manufaturada e embalada para uso comercial
A decisão corporativa afirma que todo bem justifica todo o mal

Filosofia libertária divulgada em intervalo da telenovela
Projeto de marketing anuncia o altruísmo agressivo da nova era
Cristão pagador de impostos celebra a chacina na favela
Deus em forma de consolo oferece um orgasmo a cada reza

Neo-romantismo idealizado propaga a eternidade do amor banal
Comida macrobiótica saturada por proteínas de coliforme fecal
As chagas de Cristo corrigidas através de cirurgia plástica espiritual
Revista semanal reporta as maravilhas da lobotomia recreacional

A utopia de um moribundo
É o paraíso a qualquer segundo
E o mundo será mudo
Enfim

terça-feira, 7 de outubro de 2008

Noite e Dia

Perambulando ao redor das mesmas ruas,
Como mariposas bêbadas sempre atraídas
Pelo traiçoeiro brilho artificial do Sol noturno,
Lamentamos a falta de perspectivas na
Repetição de rituais milenares já saturados
De embriaguez sistemática e filosofia etílica.
A mesma noite, revivida inúmeras vezes.
Os mesmos versos declamados em ordem
Aleatória. Milhares de bocas comprimidas
Em um único beijo, disseminando infecções
E os demais efeitos colaterais, visíveis
Apenas sob a luz do dia.

Ela veio
Veio junto ao Sol
Junto ao sereno no lençol
Sereno, eu vejo o fim

Ela veio
Veio com a aurora
Com o perdão pela demora
Perdão por ser assim

Contra a mentira que me versa
Controversa tatuagem
Trago-lhe a imagem
Deste verso que não fiz

Clara em minha mente
Claramente uma inverdade
Delicada crueldade
Cruelmente ela me quis