quarta-feira, 12 de novembro de 2008

Para o coração de cada homem, uma estrada perdida

Eu me enganei quanto a Enrico Roccato. Achei que ele fosse um clichê, um niilista raso desprovido de humildade e bom senso, um moleque cheio de rancor querendo descontar no mundo a sua ira. Não, esse não era ele, era eu. Era eu o pivete arrogante o tempo todo. Enrico é muito mais do que isso. Hoje eu o vejo como um protótipo de um animal iluminado, lúcido demais para o nosso tempo. Desde que eu o conheci, há cerca de um ano e meio, minhas certezas foram pulverizadas e a realidade se tornou cada vez mais tênue sob minha percepção. Enrico não tem laços familiares, não tem ideologias, não tem crenças, não tem um trabalho, não tem senso cívico. Mas isso são detalhes irrelevantes, meros traços de seu caráter. O segredo por trás de sua sabedoria é que ele não tem esperança. O que é a esperança senão a razão de todos os anseios? O que é a esperança senão um eufemismo para a agonia? O espírito de um homem só será livre quando a esperança se for, e nele ainda restar a vontade de viver. A vontade selvagem de fazer carne e alma pulsarem até o último suspiro. Sem esperança, sem remorsos, sem hipocrisias. Enrico viu que a questão da vida não é o domínio da razão sobre os instintos, e tampouco o contrário. Instinto e razão são duas expressões da mesma natureza, da mesma origem, que é a vontade de existir e provar sua existência ao resto do universo. Por trás de cada ação, de cada conversa, de cada paixão, há um homem gritando por atenção, para que todos notem quão brilhante sua alma é, para que todos sintam o calor de seu coração em chamas. Enrico desistiu disso. Ele sabe que ninguém poderá conhecer a real essência de outra pessoa. Por isso ele se satisfaz com seu próprio brilho, com suas próprias chamas. Ele não mais espera por compreensão externa, ele não precisa de desculpas por ser o que é. Diante desse homem, venho perdendo a fé em tudo em que me ensinaram, e não vejo mais propósito em fazer o que supostamente é o correto. Tudo em que eu consigo pensar é que a estrada para redenção leva a um abismo e por mais que meu espírito brilhe, por mais que meu peito se contorça em chamas, nada será o suficiente para satisfazer o despropósito de minha existência. E por mais que eu me questione, não consigo me ver livre da esperança de chegar ao fim do caminho e encontrar uma resposta.

Um comentário:

Luciano Costa disse...

o caminho da dignidade passa pela negação da esperança e pela descoberta do real valor da vida. este último se resume a poucos reais.