terça-feira, 18 de novembro de 2008
A Mosca
Chutei a carcaça da mosca morta para fora do meu quarto. Eu a matei por causa do zumbido, o barulho me irritava. Sem dúvida um motivo mesquinho para se matar. A mosca só estava seguindo seu instinto, batendo suas asas, se alimentando dos meus restos, se aproveitando da minha imundice. Talvez eu só a tenha matado por instinto também. Qual a diferença entre nós dois afinal? Matéria orgânica de curta existência, regida pelo impulso de sobreviver por mais um segundo. É fácil colocar a humanidade num pedestal, o topo da cadeia evolutiva, os jardineiros do Éden. Não é assim que eu me sinto. Não há nenhuma racionalidade por trás dos meus atos, não há nenhum mecanismo lógico movendo minhas ambições e não há nenhum sentimento divino guiando minha vida. Apenas atividade hormonal intensa, do meu cérebro aos meus testículos, um mero primata bípede. Comer, cagar, dormir e foder, eis o sentido da vida. Todo o resto é apenas um embuste para comunicar o resto do mundo sobre o seu progresso na realização de tais objetivos. O amor por exemplo. O amor é a forma que suas glândulas cerebrais dizem ao seu corpo: “Procrie, fique por perto do seu parceiro e ajude a cria crescer”. É isso, um mecanismo de sobrevivência da espécie, uma arma evolutiva. Agora eu penso na mosca morta. O instinto ordenava que ela se aproximasse de mim, rastejasse por minha pele e desovasse em minhas feridas. Quando larvas eclodissem em minhas chagas e se desenvolvessem alimentando-se de meu pus, a continuidade da espécie estaria garantida. Então me questiono: “Qual a diferença entre o amor e o instinto da mosca? Atração carnal, cópula e nascimento. Não é isso o que move o amor?” Bem, isso não importa mais para essa mosca agora. Eu a matei, talvez por mais do que pelo zumbido. Talvez eu a tenha matado pela sensação de controle, pelo anseio humano de interferir e subjugar a natureza ao seu redor. Mas novamente, eu me vi sobrepujado pelo instinto.
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Um comentário:
o homem é como um cão sarnento.
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