quarta-feira, 3 de dezembro de 2008

Carcaças

A metrópole pulsava quando o céu violeta elétrico da noite foi tingido pela lava da aurora. A atmosfera envenenada cobria as intermináveis malocas da periferia, solidificadas sobre lodo e miséria. Uma multidão de mutilados trafegava por entre as avenidas imundas que ligavam o subúrbio ao centro, levados pela transe tóxica dos veículos de transporte de  massa. Práticas milenares de genocídio cotidiano garantiam a moção das engrenagens da grande máquina. Primatas presos a um estágio intermediário da evolução onde a percepção é limitada por cinco sentidos sensoriais, dogmas religiosos e tabus sociais. A política de Estado é o infanticídio via lavagem cerebral. O processo consiste em saturar a mente da população ainda na infância com valores decadentes e a abstração da capacidade criar/questionar. Os resultados são humanóides adulterados, enclausurados na ilusão de sua própria individualidade, masturbadores arrogantes cheios de certezas e vazios de imaginação. Fábricas movidas por operários lobotomizados e estimulados por cocaína, servindo eternamente a manutenção de sua própria escravidão. Virá o dia em que das entranhas fétidas de um aterro sanitário, um anjo com asas feitas de lixo irá pender sobre toda nossa sordidez infecciosa e anunciar que o apocalipse já aconteceu, nós apenas não percebemos, ocupados demais com nossas guerras tribais, interesses mercadológicos e fantasias românticas de narcisismo depravado. O mundo acabou, nossas almas foram julgadas e condenadas. Ninguém foi avisado, pois nós matamos todos os nossos profetas. Todos eles apodreceram em sarjetas ou quartos de hotéis baratos, com os corpos decompostos por heroína e álcool, as mentes feridas por mentiras, desprezo e intolerância. Nosso modo de vida insano matou as únicas vozes sábias e agora nós podemos nos deleitar com nosso banquete de sangue e sêmen, alimentando continuamente nossos cérebros atrofiados de holocausto em holocausto. A orgia das sensações satisfazendo nosso instinto anêmico de auto-preservação, a ambição e angústia são nossas motivações existenciais. Tumores desenvolvidos via estática, a ilusão de liberdade é a forma mais eficiente de opressão. Carcaças errantes e sem sonhos, somos viajantes  abandonadas a deriva por qualquer força criadora que tenha cometido o erro de nos permitir existir.

2 comentários:

Paulo Silva Junior disse...

'O mundo acabou, nossas almas foram julgadas e condenadas' - me parece que a diferença está só entre quem reconhece e quem segue enganando a alma. Foda.

Luciano Costa disse...

apocalipse versão século XXI