segunda-feira, 8 de setembro de 2008

Procrastinações

Há cerca de três meses, Gabriel Gabay sofreu uma crise gastrointestinal que o levou a ser hospitalizado. Após um dia de vômitos e diarréia, ele chegou ao pronto-socorro em um estado moderado de desidratação. Enquanto recebia soro e medicação, pediu a enfermeira um pedaço de papel e uma caneta. Após algumas horas, ele foi liberado. Uma faxineira encontrou debaixo de uma maca o papel esquecido pelo paciente. Nele se encontrava a seguinte lista:

Coisas a se resolver nesta encarnação (ou até quinta-feira, se possível)

1° - Romper os laços maternais e crescer. Deixar de ser um bebê castrado e preguiçoso. Pagar minhas próprias contas, correr atrás dos meus sonhos, viver sem correntes. Abandonar o conforto da jaula. Liberdade vem do sofrimento.

2° - Não ser um hipócrita. Parar de comer carne e tudo que venha de animais. Não comprar nada que venha de grandes corporações e multinacionais. Não utilizar meios de transporte poluentes. Não precisar de instituições públicas para nada. Ser anarquista em um nível pessoal e responsável.

3° - Limpar meu quarto. Cheiro desagradável, insetos mortos pelo chão, poeira entre os teclados. Violão e guitarras também precisam de atenção. Trocar roupa de cama e colar mais pôsteres nas paredes. Paredes brancas são paredes mortas.

4° - Não jogar a responsabilidade pela minha felicidade em outras pessoas. Não esperar por um messias, por um amor perfeito, por um anjo salvador. Buscar a paz mental através da auto-compreensão e não pelo êxtase efêmero. O gozo é o nirvana dos tolos.

5° - Aprender a tocar violoncelo.

6° - Ser emocionalmente estável para evitar o risco de uma vida pouco prática, obsessões psicóticas e pensamentos suicidas. O padrão ansiedade – depressão – ansiedade - euforia é desgastante demais. Adolescência já arruinada, evitar que isso se repita no futuro.

7° - Ter um gato chamado Lúcifer. A cor do pêlo não é importante.

8° - Contribuir socialmente de uma forma positiva para a raça humana. Não sei como. Talvez escrevendo um livro, uma matéria, pixando uma mensagem em um muro. Morrer sem ter a vergonha de ter sido um branco de classe média que não fez nada por ninguém, viveu uma vida mesquinha e ensinou aos seus filhos valores obscenos como a ganância, a ostentação e a indiferença. Foda-se a lei do mais forte. Se a selvageria é a solução, ao menos dissolvam a constituição e liberem a chacina de qualquer hipocrisia.

9° - Escrever um poema de amor que não seja brega, mentiroso ou que cause ânsia de vômitos, e efetivamente mostrá-lo para a pessoa que o inspirou, ao invés de guardá-lo na gaveta.

10° - Ter uma casa no campo após a velhice. Ela deverá ter um grande pomar, um jardim para os meus netos brincarem, uma mangueira com um balanço (mangueiras são arvores grandes e fortes, boas para um balanço), dois ou três cachorros, uma varanda onde meus gatos possam dormir e eu possa passar as tardes tocando violão, bebendo cachaça e fumando haxixe.

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