segunda-feira, 28 de julho de 2008
Lixo
Estou no alto de uma colina, observando a imensidão de um vale. Um depósito de lixo absurdamente vasto. A obra-prima da civilização humana, o mar onde os excessos desembocam, uma hemorragia na Terra causada por 10 mil anos de depravação e loucura. O céu tem uma coloração rubra crepuscular, e em meio aos detritos eu noto que há pessoas caminhando. Desço a colina aos tropeços, pisando sobre seringas, comida estragada, plástico retorcido... as soluções definitivas do passado, os brinquedos preferidos de outrora. Adornos do orgulho distorcido e ansioso, imperiosos e descartáveis. Vejo pessoas vasculhando o lixo, lambendo as sobras, sustentadas pelo o excremento do mundo que os rejeitou. Seres humanos... descartáveis. Escorrego sobre o lixo, meus joelhos sangram. Uma criança chora e a outra olha para um ponto indefinido, com o desalento de quem teve que aceitar o absurdo da existência cedo demais estampado em seu rosto. Mães e irmãs investigam os detritos em busca de comida, sucatas aproveitáveis, trinta segundos de paz. Nos olhos o sentido mais primitivo de auto-preservação, sem traços de vergonha ou ego ferido. O orgulho é uma mera invenção de uma civilização fetichista de que elas não fazem parte. Sinto um arrepio percorrer toda a minha coluna. Um frio intenso, interno, me envolve de assalto. Ouço um sussurro, meu nome... Olho para o lado e vejo o Estranho. Ele é muito alto, muito magro, veste farrapos negros, os cabelos são sujos e seus olhos... seus olhos são vazios, apenas duas órbitas obscuras. E esses olhos se encontram com os meus e mostram a verdade. Meus fracassos pessoais e os fracassos da humanidade, uma única visão, turva, distorcida, mas clara e lacerante. Em seus olhos meus ideais natimortos, as boas intenções inúteis, minha vaidade devassa, uma coleção de paixões febris e efêmeras, minha busca infantil e descompromissada por uma resposta que não existe... minhas mãos sujas de sangue inocente de populações massacradas, vidas mutiladas pela minha estupidez diária de fechar os olhos e não dar um fim a isso tudo. Eu suplico ao Estranho que pare, mas ele não me abandonará, não antes que eu compreenda o fracasso e invalidez deste longo e criminoso processo de civilização, da torturante verdade por trás da experiência humana. Não há conforto, não há redenção. A ingenuidade é um pecado sem perdão. Eu sou o culpado, eu sou a inanição, eu sou a indiferença, eu sou a certeza da derrota. Sou eu quem se ajoelha sobre as carcaças e reza pela própria alma, sem perceber a brutalidade deste ato. E diante da miséria do meu espírito, o Estranho me liberta e eu faço esforço em busca de ar. Sinto nojo de mim, me sinto indigno de deitar sobre o lixo.
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