Manhã de domingo. O carro está parado, sem combustível, em um estacionamento abandonado. Só há galpões fechados nos arredores, ninguém por perto. Eu e Enrico andamos uns três quilômetros até um posto, mas no minuto em que voltamos começamos a baforar a gasolina. Não acho que vamos sair daqui tão cedo. Enrico liga o rádio e sai do Chevette ao som de ‘Born to Die in Berlin’ dos Ramones. Joga um pouco de gasolina sobre uma caixa de papelão e acende um fósforo. Agora ele urina sobre as chamas. Nós não trocamos nenhuma palavra há horas. Nenhuma tirada, nenhuma impressão filosófica, nenhuma piada obscena. Ainda tenho uma lata de cerveja. Ela desce meio quente. A luz da manhã é agradável e suave. O verde vivo da única árvore do pátio se contrasta ao cinza morto de todo o resto. Eu identifico nisso um pouco da minha condição, corroído pelo cinismo, desiludido e empacado a meio caminho de lugar nenhum. Mas as partículas de esperança dentro de mim parecem mais fortes do que tudo isso. Enrico volta ao carro com um baseado preparado e me oferece. A chama da ponta reflete nas lentes de seus óculos escuros. Ele está pálido. Eu também devo estar. Não comemos há muito tempo. 'O que o Ciro tem?' ele pergunta, quebrando nosso pacto não declarado de silêncio. “Ele está triste”. Mantenho meus olhos na caixa de papelão que ainda queima. 'Deveríamos fazer algo por ele'. o tom de voz é monótono e eu não sei dizer se foi uma pergunta ou uma afirmação. “A gente não pode fazer nada. Mas ele vai ficar bem. Eu sei, já estive onde ele está”. 'E onde é isso?' “É aonde você pensa ter encontrado o caminho, mas então percebe que só foi uma miragem e que você esteve andando em círculos o tempo todo”. 'Hum. Frustrante.' “É, mas as miragens nos ensinam certas coisas. Se você não desvendá-las, nunca vai saber o que é verdadeiro”. O rádio começa a tocar ‘American Jesus’ do Bad Religion e a conversa se encerra. Enrico sai do carro novamente e coloca o resto da gasolina no tanque. O carro dá a partida e nós estamos de volta à estrada. Mas para onde agora?
quarta-feira, 18 de novembro de 2009
A meio caminho de lugar nenhum
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Um comentário:
caralho. fodelão. mesmo.
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