segunda-feira, 2 de novembro de 2009
Inferno em ladrilhos
O ar está abafado e imagens disformes se projetam na porta branca do banheiro, dando cores translúcidas às gravuras de masturbadores de sanitários públicos, o confessionário supremo. O que é o confessionário senão um inferno dosado, onde todo pudor é despido por alguns segundos de salvação? O que é este banheiro senão um inferno em ladrilhos, onde minha mente erra através de todos os beijos e cuspidas que eu levei na vida, escaldado em suor, nauseado pelo cheiro de fezes e socialmente morto por alguns minutos? Quantas horas mais de expediente? Quantos meses de contrato? Quantos infernos ainda serão necessários para colocar as coisas em perspectiva? Eu bebi demais ontem à noite, mas não o suficiente para apagar a crença em premonições e em sinais divinos. Não acredito em presságios, mas não consigo ignorar meus sonhos. É duplamente frustrante. Lá fora, do outro lado da porta, duas pessoas conversam. Ouço tudo muito distante, fora do meu mundo. Nada é relevante no momento a não ser os ladrinhos e os pensamentos projetados na porta. Meu espírito quer me provar algo através dessas imagens, mas eu olho pra baixo e a visão da latrina é completamente oposta. Em que acreditar? O que em mim é essencial e o que pode ser deixado para trás, como um dejeto? Agora minha visão começa embaçar e escurecer. Eu não tenho mais corpo, só sobraram as imagens diante de mim. Elas significam algo? Uma expressão da alma ou apenas padrões de luz reproduzidos por minha mente debilitada? Não consigo decifrá-las e agora minha vista volta ao normal. Me levanto, me limpo, deixo o cubículo para trás. Lavo o rosto e observo meu reflexo pálido, esperando alguma resposta minha. O jeito é me enganar por mais algumas horas. Eu preciso de um pouco de cafeína.
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