segunda-feira, 6 de abril de 2009

Bebendo com Takeshi

Gabriel Gabay e Enrico Roccato encontram o velho Takeshi em botequim prestes a fechar. O vizinho de Gabriel, conhecido no bairro por sua alta tolerância ao álcool e por eventuais crises histéricas, convidou os dois amigos para beber uma garrafa de uísque de proveniência duvidosa em sua residência. A seguir, um relato resumido deste evento.

02h11 – GARRAFA CHEIA

ENRICO
Então, uísque? Não curte saquê?

TAKESHI
Curto. Se tiver álcool eu ponho pra dentro.

GABRIEL
Discos legais, Janis, Doors, Hendrix...

TAKESHI
É. É da minha época.

ENRICO
Como você era nos anos 60?

TAKESHI
Igual agora, só que mais bonito.

ENRICO
Curtia política, aquele lance hippie?

TAKESHI
Porra nenhuma. Aqueles esquerdóides era uns escrotos, cheios de regras, de frescuras... eram iguais aos militares, nem um pouco melhor.

ENRICO
Eram intolerantes também, né?

TAKESHI
Porra, demais. Revolução cada um tem a sua, na sua cabeça. O resto é merda.

ENRICO
Você teve a sua revolução?

TAKESHI
Eu fui criado por japoneses tradicionalistas. Olhe pra mim agora? O que você acha?

ENRICO
Certo.

TAKESHI
Eu vivo sob as minhas regras

GABRIEL
Outro dia eu estava no metrô e estava escrito “Nunca ande nos trilhos”. Cheguei à conclusão que as únicas regras que merecem ser seguidas são aquelas que não precisam existir.

02h47 – ¾ DA GARRAFA CHEIA

TAKESHI
Eu tinha um amigo publicitário. Uma vez um grupo de vegetarianos pediu para ele traduzir o slogan “Meat is a Murder” pra eles, mas não só traduzir, mas fazer um lance de palavras legal, em português. Sabe o que ele conseguiu?

GABRIEL
O quê?

TAKESHI
Escutem bem. “O Assado é um assassinato”.

ENRICO
“O Assado é um assassinato?”

TAKESHI
(rindo)
É! Ele nunca mais trabalhou pros caras, você pode ter certeza.

03h23 – ½ GARRAFA CHEIA

TAKESHI
Então eles te mandam pra escola, eles te ensinam todos esses valores horrorosos como posse e ganância, eles te treinam para ser mão-de-obra, não pra ser uma pessoa livre. Escutem muleques, isso tudo é bosta. Vivam suas vidas, jantem umas xoxotas, viagem pra bem longe, onde tudo é selvagem e vivo. Vocês vão se foder de qualquer jeito, mas se fodam do jeito divertido.

ENRICO
Mas há futuro nisso? Quero dizer, eu concordo com você, mas quando você foge da escravidão do sistema você não se torna escravo da marginalidade? Quero dizer, você faz uma escolha que talvez não possa mudar...

TAKESHI
Meu filho, isso tudo é merda! Você é escravo do seu estômago, da sua cabeça e do seu pinto. Sempre! É isso. No final das contas você vai acabar sozinho, num quarto de hospital, numa sarjeta ou no presídio. Qual a diferença? Por que viver uma vida inteira através de termos que não são seus?

GABRIEL
Eu tenho medo de ter uma vida medíocre...

TAKESHI
Ótimo! Já é o primeiro passo pra não ter uma. Todo mundo quer a liberdade, mas todo mundo tem medo dela também, por que ser livre significa abrir mão de todo o resto. A liberdade é a forma mais solitária de se amar.

ENRICO (arrotando)
Bonito isso...

03h50 – ¼ DA GARRAFA CHEIA

TAKESHI
Seus putos...

ENRICO
O quê?

TAKESHI
(murmura algo incompreensível)

GABRIEL
Sabem, hoje eu estava na estação de trem... e... eu olhava todas aquelas pessoas e...
Bem, eu pensei, “O QUE DIABOS NÓS ESTAMOS FAZENDO NESSE PLANETA?”

ENRICO
É... foda

GABRIEL
Foda? É ridículo. Onde as pessoas vão com tanta pressa? Elas não chegam a lugar nenhum no fim.

TAKESHI
Agora sim... isso mesmo... seus putos...

ENRICO
O quê?

04h20
A GARRAFFA ESTÁ VAZIA

GABRIEL
Acho que estou apaixonado...

ENRICO
Hum... e o que você pretende fazer a respeito?

GABRIEL
Eu não sei... bater com a cabeça na parede até passar, provavelmente...

ENRICO
Isso parece tão sensato quanto ficar apaixonado

TAKESHI
(acordando)
Uma vez eu me apaixonei. É uma merda, você não se apaixona por uma mulher, se apaixona por um sorriso...

ENRICO
Por um sorriso?

TAKESHI
Pois é! Ai quando o sorriso se desfaz, o que é que você tem?

ENRICO
Uma piranha chata te aporrinhando?

TAKESHI
(berrando)
É! Essa merda é uma coleira...

GABRIEL
Vão se fuder! Você sabem o que é... o coração sangrando e sua cabeça implodindo? E você olha para aquela pessoa e você não sabe o que fazer para ela entender o que você sente e o que você é... Que merda, você vem me falar de um sorriso... eu quero saber o que esconde o sorriso... eu quero ser o motivo do sorriso... você entende isso, seu velho puto?

Nesse momento Takeshi atira a garrafa de uísque na parede, chuta móveis e esmurra as paredes enquanto berra de maneira desvairada. Enrico e Gabriel deixam a casa, a garrafa despedaçada e o velho sozinhos.

2 comentários:

Murilo Costa disse...

"E se eu disser que não dói tanto assim
saber que já não sou o motivo pra te fazer sorrir
nem quem segura a sua mão
quando já não é preciso dizer mais nada

E a vida segue pra mim
Afinal, as contas vão chegar
e meu endereço elas sabem de cor"

Nina Kobayashi disse...

Avisa o Gabriel que eu estou procurando um namorado?
hahahahaha

BRINKS!