Enrico Roccato, 12:37 AM – São Paulo
Impulsos subversivos despertos pelo abuso alcoólico e pela falta de um lar estruturado na infância. Demonstrações de falta de compromisso ético, valores morais e consideração pelos semelhantes. Idéias desconexas, direção perigosa e alienação total da estrutura social em que vive. O elemento aqui analisado pode ser descrito com precisão como um parasita.
Jorge Hercules. Sujeito grande, ex-boxeador, corte de cabelo militar, já imaginou o tipo, né? Eu adorava aquele porra, desde moleque, queria ser grande, forte e me vestir naqueles ternos de mafioso, igual a ele. No funeral da Susana ele veio com aquela conversa: “Ela te deixou algumas coisa. Na verdade te deixou o bar. Mas como sabia que você é um porra louca, exigiu que você não administrasse o lugar. Tá morando na oficina do seu tio ainda? Cai fora de lá, vamos arrumar uma casa pra você. Apartamento não, você vai ser expulso em dois dias...vai se foder você, olha o respeito”.
Jorge Hercules, sempre me pareceu nome de boleiro dos anos setenta, de algum time pequeno do Rio de Janeiro, cabelo black power, costeletas e bigode, pouco técnico, mas raçudo. Mas era só o segurança. Disse que eu precisava trampar para tomar jeito. “Pra que trampar? Eu sou um herdeiro agora”, eu ri na cara dele. Ele fica puto quando eu faço essas coisas. Pedi um carro emprestado pra ele, pra ir ver meu pai. O desgraçado me deu a tranqueira mais imunda que pode arrumar, com medo, não, com a certeza de que eu fosse bater. Gabriel quase enfartou quando viu aquele monte de lixo.
Quando voltei da viagem, Jorge disse que eventualmente iria me chamar para uns trabalhos, nada demais. Porra, sempre soube que ele era um gangster, e ele ia me jogar nessa para me acertar? “Quem eu vou ter que matar pra você, seu merda?”, eu ri mais uma vez, mas ele me ignorou.
Jorge, um grande filho da puta. Pra mim sempre foi nome de cafetão falido, com uma trinta e oito na cintura, com uma puta em cada braço, mandando ver num opala estilizado. Me chamou pra ser chofer, num sábado a noite. Como ficaria Gabriel sem mim? Era um menino esperto, mas ainda frágil. Com certeza seria degolado por algum travesti, e eu ia me sentir culpado. Tudo para o grande Jorge Hércules se encontrar com seus fornecedores em um restaurante pretensioso. Uma grande decepção. Me imaginava dirigindo para um bandidão barra pesada, comprando drogas, subornando os coxinhas, roubando bancos... Descobri que Jorge tinha entrado na legalidade, junto com toda aquela corja do bar da Susana, no instante que meu pai tinha desaparecido da face da terra. É impressionante a boa influencia que meu pai traz as pessoas saindo da vida delas. Exceto pela vadia da minha m..., mas aquilo é um caso perdido.
Dormi no carro ouvindo uma coletânea de MPB que achei no porta luvas. Tinha achado também uma garrafa de uísque debaixo do banco. Metade dela na minha garganta, a outra metade se perdeu no assoalho do carro, quando eu adormeci e derrubei tudo. Quando acordei, não lembrava o que porra eu tava fazendo ali, e nem de quem era aquele carro. No meio da minha confusão, senti inveja de Gabriel, descendo a Augusta como se fosse Dorothy na estrada de tijolos amarelos, e simplesmente dei a partida no carro, querendo me encontrar com ele. Os faróis estavam desligados, assim como meu senso de direção e parte de minha coordenação motora, de modo que me atrapalhei um pouco, me perdi algumas vezes e quase causei alguns holocaustos no transito. Me vi estacionando na Frei Caneca, sem saber como tinha chegado ali. Não que isso importasse, era sábado à noite e eu estava entediado.
O elemento seguiu cambaleante em direção a Rua Augusta. Foi objeto de riso de um grupo que se dirigia na direção contraria, para um famoso clube noturno voltado ao público de vida alternativa, localizado na Rua Frei Caneca. Enrico respondeu com ofensas homofóbicas, uivos selvagens e retirando seu órgão sexual das calças, balançando o obscenamente aos transeuntes. Apesar das agressões verbais, não houve embate físico.
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário