quarta-feira, 30 de janeiro de 2008

Turno da Noite

Enrico Roccato, 12:37 AM – São Paulo

Impulsos subversivos despertos pelo abuso alcoólico e pela falta de um lar estruturado na infância. Demonstrações de falta de compromisso ético, valores morais e consideração pelos semelhantes. Idéias desconexas, direção perigosa e alienação total da estrutura social em que vive. O elemento aqui analisado pode ser descrito com precisão como um parasita.

Jorge Hercules. Sujeito grande, ex-boxeador, corte de cabelo militar, já imaginou o tipo, né? Eu adorava aquele porra, desde moleque, queria ser grande, forte e me vestir naqueles ternos de mafioso, igual a ele. No funeral da Susana ele veio com aquela conversa: “Ela te deixou algumas coisa. Na verdade te deixou o bar. Mas como sabia que você é um porra louca, exigiu que você não administrasse o lugar. Tá morando na oficina do seu tio ainda? Cai fora de lá, vamos arrumar uma casa pra você. Apartamento não, você vai ser expulso em dois dias...vai se foder você, olha o respeito”.

Jorge Hercules, sempre me pareceu nome de boleiro dos anos setenta, de algum time pequeno do Rio de Janeiro, cabelo black power, costeletas e bigode, pouco técnico, mas raçudo. Mas era só o segurança. Disse que eu precisava trampar para tomar jeito. “Pra que trampar? Eu sou um herdeiro agora”, eu ri na cara dele. Ele fica puto quando eu faço essas coisas. Pedi um carro emprestado pra ele, pra ir ver meu pai. O desgraçado me deu a tranqueira mais imunda que pode arrumar, com medo, não, com a certeza de que eu fosse bater. Gabriel quase enfartou quando viu aquele monte de lixo.

Quando voltei da viagem, Jorge disse que eventualmente iria me chamar para uns trabalhos, nada demais. Porra, sempre soube que ele era um gangster, e ele ia me jogar nessa para me acertar? “Quem eu vou ter que matar pra você, seu merda?”, eu ri mais uma vez, mas ele me ignorou.

Jorge, um grande filho da puta. Pra mim sempre foi nome de cafetão falido, com uma trinta e oito na cintura, com uma puta em cada braço, mandando ver num opala estilizado. Me chamou pra ser chofer, num sábado a noite. Como ficaria Gabriel sem mim? Era um menino esperto, mas ainda frágil. Com certeza seria degolado por algum travesti, e eu ia me sentir culpado. Tudo para o grande Jorge Hércules se encontrar com seus fornecedores em um restaurante pretensioso. Uma grande decepção. Me imaginava dirigindo para um bandidão barra pesada, comprando drogas, subornando os coxinhas, roubando bancos... Descobri que Jorge tinha entrado na legalidade, junto com toda aquela corja do bar da Susana, no instante que meu pai tinha desaparecido da face da terra. É impressionante a boa influencia que meu pai traz as pessoas saindo da vida delas. Exceto pela vadia da minha m..., mas aquilo é um caso perdido.

Dormi no carro ouvindo uma coletânea de MPB que achei no porta luvas. Tinha achado também uma garrafa de uísque debaixo do banco. Metade dela na minha garganta, a outra metade se perdeu no assoalho do carro, quando eu adormeci e derrubei tudo. Quando acordei, não lembrava o que porra eu tava fazendo ali, e nem de quem era aquele carro. No meio da minha confusão, senti inveja de Gabriel, descendo a Augusta como se fosse Dorothy na estrada de tijolos amarelos, e simplesmente dei a partida no carro, querendo me encontrar com ele. Os faróis estavam desligados, assim como meu senso de direção e parte de minha coordenação motora, de modo que me atrapalhei um pouco, me perdi algumas vezes e quase causei alguns holocaustos no transito. Me vi estacionando na Frei Caneca, sem saber como tinha chegado ali. Não que isso importasse, era sábado à noite e eu estava entediado.

O elemento seguiu cambaleante em direção a Rua Augusta. Foi objeto de riso de um grupo que se dirigia na direção contraria, para um famoso clube noturno voltado ao público de vida alternativa, localizado na Rua Frei Caneca. Enrico respondeu com ofensas homofóbicas, uivos selvagens e retirando seu órgão sexual das calças, balançando o obscenamente aos transeuntes. Apesar das agressões verbais, não houve embate físico.

terça-feira, 29 de janeiro de 2008

Depois da Meia Noite...

Gabriel Gabay, 4:12 AM – São Paulo

Impressões ébrias em uma noite de sábado na capital paulista. Atentar-se a prosa pobre, falta de argumentação e de recursos criativos do elemento observado.

O asfalto está frio hoje. A grande decepção da noite é a própria noite, cheia de bares fechados, passos desencontrados e encontros abortados. Uma noite atrás tudo parecia resolvido, mas agora eu era só mais um fodido, vagando pelo centro, em busca de inspiração entorpecida. Escutem crianças, tudo tem um motivo. Não saiam enchendo a cara por ai, sem ter razões ideológicas para isso, ou você não vai passar de clichê imoral, do tipo que os nazistas adoram expor em jaulas como exemplos de decadência, Não queridos, nada disso. O segredo é fazer disso um meio, não um fim. Ficar bêbado é só uma etapa em busca da construção de um caráter elevado, desprendido de todas as superficialidades da vida, tais como ambição financeira, amor idealizado, secretárias boqueteiras, cargos elevados, filhos loiros, antidepressivos com uísque, casas em condomínios, cadeiras reclináveis, orgulho dos pais, masturbadores elétricos ou qualquer tipo de consideração com o próprio bem estar.
Porra, eu sou um jornalista, eu tenho obrigação profissional de me desprender da vida material. Só um sujeito tão comprometido com a própria destruição pode ser realmente capaz de denunciar a podridão apocalíptica do mundo, sem medo de acabar castrado e abandonado a beira de uma estrada deserta. Porra, pense em Jesus Cristo, por exemplo, por que você acha que ele só começou a pregar depois dos 30? Por que antes disso ele estava ocupado aprendendo filosofia oriental, renegando os pais e irmãos, enchendo a cabeça de ópio e tendo visões no deserto. Só depois de ter alcançado o completo desdém por toda futilidade narcisista que as pessoas normais chamam de vida, é que você se torna capaz de cagar no templo, vomitar sobre o clero e mandar todo mundo se foder do jeito que ele fez, sabendo que teria uma morte tão horrenda. É preciso ser um marginal para ser um profeta, já dizia Corisco, para seu bando de saqueadores perturbados. Além disso, a velha indumentária já não me servia mais. Ser um poeta romântico, depressivo e niilista não estava ajudando em nada. Sai Ian Curtis, entra Iggy Pop. Em busca do estado total de selvageria, iluminação espiritual por meio de mutilações e delírios. Talvez uma viagem ao coração da Amazônia, em busca do alucinógeno perfeito. Porra! Daria até um livro! A jornada profana de Gabriel Gabay ao ânus da América do Sul. Eu tinha que ter cuidado para não exagerar nos adjetivos, ou a critica ia me massacrar. Talvez eu acabasse me fodendo no caminho, degolado por bandidos, brutalizado por nativos, estuprado por garimpeiros enlouquecidos ou contaminado por doenças tropicais ainda não descobertas, mas eu tinha que correr o risco. Se eu não sobrevivesse, então não valia merda alguma, é assim que funciona a evolução. A única certeza é que tem mais policiais na rua do que putas hoje a noite. Que porra de mundo é esse? Não, a noite ainda não pode acabar, ainda tenho alguns trocados, e fome de viver na cabeça. Conheci uma garota que se cortava, ela me deixava fascinado. Era a expressão artística máxima, se dilacerar com uma navalha, porra, quem iria a ignorar? Acho que ela acabou se matando, ou se convertendo ao islamismo. De qualquer forma, nunca recebeu a fama que merecia. Suas cicatrizes eram rosas virulentas, reais demais para esse mundo hipócrita. Nunca tive coragem de fazer aquilo. Despenquei de uma janela uma vez, mas aquilo foi um delírio, uma possessão... um desperdício de energia. Suicidas me irritam hoje em dia. É exatamente o oposto de se desprender, você está tão envolvido nessa imundice, preocupado com que pensam de você, com seu futuro, com suas paixões juvenis, que acaba implodindo. O que eu quero é explodir agora, ser um insulto, não um lamento... merda, minhas mãos estão tremendo... melhor ir para o metrô, já está aberto. Talvez eu encontre alguns mendigos no caminho e planeje uma revolução, pacifica ou não. Nunca me decidi sobre isso...

O objeto de nosso estudo segue para a estação de metrô mais próxima. No caminho é abordado por três prostitutas, um mendigo, um gari, três vira-latas e um pastor evangélico. Ninguém foi ferido ou exposto a ideologia rasa de nosso protagonista. O prórpio esqueceria suas divagações em um limbo subconsciente, após um encontro marcante no vagão do trem. Mais informações no próximo relato.

sexta-feira, 18 de janeiro de 2008

Enigma

Qual o homem não se sente seguro
Onde fogem seus desejos obscuros?
Sozinho, eu espero se revelar
Um enigma que se recusa quebrar

Pinturas disformes nas paredes
Revelam para onde fugiu a mente
Resisto ao auto-convite
Mas uma voz repete e insiste

Tão perto assim? Por que eu não te vejo?
Vivo ao fim, mas perdi seu segredo

Andando lado a lado com o vazio
Ainda marcado o beijo macio
Cada vez mais distante, me aproximo
Chego no instante de ser esquecido

Soa a chuva e você se perde
Desiste da busca e apenas segue
Mais um é enterrado, é o destino
Queria ter te encontrado ainda vivo
Salvei a mim mesmo, eu acredito
E sua voz se perde no infinito