quinta-feira, 17 de junho de 2010

Pornô

De pé sobre o palco, de costas para a tela do cinema pornô, Enrico recitava um texto que lia de um caderno, enquanto cenas de uma mulher sendo sodomizada se projetavam em seu rosto. “Dia após dia, a rebelião juvenil e sonhos de liberdade eram trocados por um desejo de comodidade e calmaria. O espírito se fadigou com sua própria tormenta. A frustração com o mundo que não aceitava sua natureza caótica o levou a uma apatia mórbida. O fracasso era inevitável. Frágil demais para romper o padrão. Incapaz de viver dentro da normalidade. Buscava na neblina densa do seu mau humor qualquer luz guia que o salvasse da inaptidão em viver. Um messias, um anjo, um romance. Mas não havia nada para ele”.

“O que ele está lendo?”, perguntou a prostituta sentada na cadeira ao meu lado. “É um autor chamado Gabriel Gabay. Já ouviu falar?”. Ela fez que não com a cabeça. “É um puta dum pretensioso. Algum potencial talvez, mas se perde fácil. Prosa sem ritmo, cheia de adjetivos... na boa, não perca tempo com ele”.

Alheio a seu público, formado por mais duas prostitutas e um cliente que pareciam vagamente curiosos, Enrico continuava sua leitura. “Então abraçou sua mediocridade, anestesiou os sentidos e sua vida se tornou um pedido de desculpas. Ao mundo, aos pais, a todos os olhos. Pela preguiça, pelo descompasso. E as desculpas vieram como prêmios de consolação. Os anos se passaram movidos a Ritalin e Valium. O emprego enfadonho, o casamento, as contas no final do mês. E uma amargura disfarçada que nunca deixava de crescer”.

“Sabe o que me irrita nesse autor?”, eu disse para a mulher. “Essa necessidade doentia de chamar a atenção. É como se ele percebesse que é incapaz de ser reconhecido por suas qualidades, então tenta fazer isso através dos seus defeitos. Talvez esperando que alguém se apaixone por eles e isso o redima de ser o babaca que é. É pura vaidade”. A prostituta me olhou em silêncio por alguns segundos e então disse. “Acho normal querer um pouco de atenção, custe o que custar. As pessoas são mais carentes do que parecem”.

Encoberto por sombras, os olhos baixos de Enrico percorriam a folha “Na hora final de vida olhou pra trás e só viu tédio, rancor e solidão. E tudo isso pra quê? Havia traído a si mesmo a troco de migalhas e agora via que só a dor lhe dava alguma motivação em existir. As derrotas eram estímulos que o fortaleciam. Cego pela frustração abriu mão de tudo que tinha real valor pelos aplausos imaginários de um mundo vão”.

Então seus olhos se ergueram e incandesceram contra a luz do projetor. Abandonando a leitura, Enrico discursou o resto do texto. “Viveu a vida como um filme pornô. Cheia de diálogos vazios, lugares comuns e poses forçadas. Os gritos de prazer exagerados e os gemidos de dor abafados. O reconforto de um orgasmo fácil, uma mente pálida e uma ejaculação sem sentido. E ao final de tudo seu rosto se desvaneceu com o corte final, para sempre esquecido”.

Enrico continuou a fitar o vazio em silêncio enquanto a atriz recebia um jato de porra em sua face. Após alguns instantes o filme acabou e a sala ficou escura. Não houve aplausos.

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