Eu estou embolorando nessa porra de apartamento, sentado o dia todo na frente do tele, vendo essas imagens maçantes e essas notícias inúteis. Tem uma criançada barulhenta na vizinhança e essa é única coisa que alegra um pouco os dias. É bom quando ainda são pequenos e selvagens, antes que se tornem uns otários frescos. Não posso acreditar quão rápido foi pra tudo virar uma merda de novo. Depois da grande fissura o mundo virou uma bola de fogo e quase todo mundo morreu. Foi ótimo! Tudo que o planeta precisava era de um apocalipse. Eu era jovem, com espírito
quinta-feira, 24 de junho de 2010
Cães selvagens só usam coleira por uma questão de estilo
quinta-feira, 17 de junho de 2010
Pornô
De pé sobre o palco, de costas para a tela do cinema pornô, Enrico recitava um texto que lia de um caderno, enquanto cenas de uma mulher sendo sodomizada se projetavam em seu rosto. “Dia após dia, a rebelião juvenil e sonhos de liberdade eram trocados por um desejo de comodidade e calmaria. O espírito se fadigou com sua própria tormenta. A frustração com o mundo que não aceitava sua natureza caótica o levou a uma apatia mórbida. O fracasso era inevitável. Frágil demais para romper o padrão. Incapaz de viver dentro da normalidade. Buscava na neblina densa do seu mau humor qualquer luz guia que o salvasse da inaptidão em viver. Um messias, um anjo, um romance. Mas não havia nada para ele”.
“O que ele está lendo?”, perguntou a prostituta sentada na cadeira ao meu lado. “É um autor chamado Gabriel Gabay. Já ouviu falar?”. Ela fez que não com a cabeça. “É um puta dum pretensioso. Algum potencial talvez, mas se perde fácil. Prosa sem ritmo, cheia de adjetivos... na boa, não perca tempo com ele”.
Alheio a seu público, formado por mais duas prostitutas e um cliente que pareciam vagamente curiosos, Enrico continuava sua leitura. “Então abraçou sua mediocridade, anestesiou os sentidos e sua vida se tornou um pedido de desculpas. Ao mundo, aos pais, a todos os olhos. Pela preguiça, pelo descompasso. E as desculpas vieram como prêmios de consolação. Os anos se passaram movidos a Ritalin e Valium. O emprego enfadonho, o casamento, as contas no final do mês. E uma amargura disfarçada que nunca deixava de crescer”.
“Sabe o que me irrita nesse autor?”, eu disse para a mulher. “Essa necessidade doentia de chamar a atenção. É como se ele percebesse que é incapaz de ser reconhecido por suas qualidades, então tenta fazer isso através dos seus defeitos. Talvez esperando que alguém se apaixone por eles e isso o redima de ser o babaca que é. É pura vaidade”. A prostituta me olhou em silêncio por alguns segundos e então disse. “Acho normal querer um pouco de atenção, custe o que custar. As pessoas são mais carentes do que parecem”.
Encoberto por sombras, os olhos baixos de Enrico percorriam a folha “Na hora final de vida olhou pra trás e só viu tédio, rancor e solidão. E tudo isso pra quê? Havia traído a si mesmo a troco de migalhas e agora via que só a dor lhe dava alguma motivação em existir. As derrotas eram estímulos que o fortaleciam. Cego pela frustração abriu mão de tudo que tinha real valor pelos aplausos imaginários de um mundo vão”.
Então seus olhos se ergueram e incandesceram contra a luz do projetor. Abandonando a leitura, Enrico discursou o resto do texto. “Viveu a vida como um filme pornô. Cheia de diálogos vazios, lugares comuns e poses forçadas. Os gritos de prazer exagerados e os gemidos de dor abafados. O reconforto de um orgasmo fácil, uma mente pálida e uma ejaculação sem sentido. E ao final de tudo seu rosto se desvaneceu com o corte final, para sempre esquecido”.
Enrico continuou a fitar o vazio em silêncio enquanto a atriz recebia um jato de porra em sua face. Após alguns instantes o filme acabou e a sala ficou escura. Não houve aplausos.
“O que ele está lendo?”, perguntou a prostituta sentada na cadeira ao meu lado. “É um autor chamado Gabriel Gabay. Já ouviu falar?”. Ela fez que não com a cabeça. “É um puta dum pretensioso. Algum potencial talvez, mas se perde fácil. Prosa sem ritmo, cheia de adjetivos... na boa, não perca tempo com ele”.
Alheio a seu público, formado por mais duas prostitutas e um cliente que pareciam vagamente curiosos, Enrico continuava sua leitura. “Então abraçou sua mediocridade, anestesiou os sentidos e sua vida se tornou um pedido de desculpas. Ao mundo, aos pais, a todos os olhos. Pela preguiça, pelo descompasso. E as desculpas vieram como prêmios de consolação. Os anos se passaram movidos a Ritalin e Valium. O emprego enfadonho, o casamento, as contas no final do mês. E uma amargura disfarçada que nunca deixava de crescer”.
“Sabe o que me irrita nesse autor?”, eu disse para a mulher. “Essa necessidade doentia de chamar a atenção. É como se ele percebesse que é incapaz de ser reconhecido por suas qualidades, então tenta fazer isso através dos seus defeitos. Talvez esperando que alguém se apaixone por eles e isso o redima de ser o babaca que é. É pura vaidade”. A prostituta me olhou em silêncio por alguns segundos e então disse. “Acho normal querer um pouco de atenção, custe o que custar. As pessoas são mais carentes do que parecem”.
Encoberto por sombras, os olhos baixos de Enrico percorriam a folha “Na hora final de vida olhou pra trás e só viu tédio, rancor e solidão. E tudo isso pra quê? Havia traído a si mesmo a troco de migalhas e agora via que só a dor lhe dava alguma motivação em existir. As derrotas eram estímulos que o fortaleciam. Cego pela frustração abriu mão de tudo que tinha real valor pelos aplausos imaginários de um mundo vão”.
Então seus olhos se ergueram e incandesceram contra a luz do projetor. Abandonando a leitura, Enrico discursou o resto do texto. “Viveu a vida como um filme pornô. Cheia de diálogos vazios, lugares comuns e poses forçadas. Os gritos de prazer exagerados e os gemidos de dor abafados. O reconforto de um orgasmo fácil, uma mente pálida e uma ejaculação sem sentido. E ao final de tudo seu rosto se desvaneceu com o corte final, para sempre esquecido”.
Enrico continuou a fitar o vazio em silêncio enquanto a atriz recebia um jato de porra em sua face. Após alguns instantes o filme acabou e a sala ficou escura. Não houve aplausos.
quarta-feira, 9 de junho de 2010
O Altar
Lágrima a lágrima
Até que os olhos estejam adormecidos
Sonhe como se a noite nunca fosse acabar
É tênue o véu que abafa os seus gemidos
Recolha suas mentiras e monte seu altar
Sob névoa a noite se estende
A trilha o leva ao mesmo lugar
Tempestuosa fúria, adore-a, alimente-a
Caia de joelhos e apronte-se pra sangrar
Sem espera
Sem surpresas
A meio caminho de lugar nenhum
Viver mil vidas não faria diferença
Olhe em meus olhos
E veja segredo algum
Faça bom uso da incerteza
Lágrima a lagrima
Até os lábios estiverem selados
Corpo contra corpo, a falácia é desferida
Parva alegria sob um luar desfigurado
Madrugada, as ruas estão vazias
Madrugada, eu não sei o que procurar
Madrugada, a noite é tão fria
A pétala se dissolve sob a língua
Sem diminuir o gosto amargo
Lágrima a lágrima
Até que os olhos estejam adormecidos
Sonhe como se a noite nunca fosse acabar
É tênue o véu que abafa os seus gemidos
Recolha suas mentiras e monte seu altar
Até que os olhos estejam adormecidos
Sonhe como se a noite nunca fosse acabar
É tênue o véu que abafa os seus gemidos
Recolha suas mentiras e monte seu altar
Sob névoa a noite se estende
A trilha o leva ao mesmo lugar
Tempestuosa fúria, adore-a, alimente-a
Caia de joelhos e apronte-se pra sangrar
Sem espera
Sem surpresas
A meio caminho de lugar nenhum
Viver mil vidas não faria diferença
Olhe em meus olhos
E veja segredo algum
Faça bom uso da incerteza
Lágrima a lagrima
Até os lábios estiverem selados
Corpo contra corpo, a falácia é desferida
Parva alegria sob um luar desfigurado
Madrugada, as ruas estão vazias
Madrugada, eu não sei o que procurar
Madrugada, a noite é tão fria
A pétala se dissolve sob a língua
Sem diminuir o gosto amargo
Lágrima a lágrima
Até que os olhos estejam adormecidos
Sonhe como se a noite nunca fosse acabar
É tênue o véu que abafa os seus gemidos
Recolha suas mentiras e monte seu altar
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