terça-feira, 6 de novembro de 2007

Exílio

Marco estava sentado sob o Sol fraco de outono, no jardim de sua casa, cercado pelas crianças da região. Elas brincavam, corriam e berravam umas com as outras, mas não ousavam incomodar seu anfitrião. Marco ria, contava e ouvia histórias, bebia um pouco de sua vodca e cantava canções em italiano. Estava naquele fim de mundo há alguns anos já, cercado de crianças miseráveis, agricultores e bananeiras. Só tinha banana naquela merda de terra, para onde você olhasse. 54 anos de vida, ambições e sonhos se reduziam a um velho de pele queimada, camisa desabotoada, óculos de sol vagabundos e uma garrafa de vodca da pior qualidade.

Nascido na Itália, vagabundeava pelo Brasil desde os 17. Se envolveu em golpes, prostituição, desmanches, alambiques clandestinos, cassinos, trafico internacional de muamba, drogas e armas, roubo de carga, empresas fantasmas, estelionato, buffets infantis, táxis, proxenetas, torniquetes improvisados, camisinhas vencidas, anticoncepcionais falsificados, desova de químicos em mananciais, amuletos da sorte, bingos, seqüestro de cadáveres e especulação imobiliária. Casou-se há 25 anos com uma operária do Brás chamada Estela. Ela era linda, loira e de olhos azuis, mas bebia muito, até mais do que ele mesmo. Tiveram um filho, Enrico. Quando o moleque tinha 9, Marco se mandou. Nunca chegou a perder o contato com o filho, mas um não ligava muito pro outro.

Falido e ameaçado por meio mundo, se refugiou nesse vale, que mais parece um cu atolado de bananas. Um alqueire de terra não vale nada e uma tonelada de banana menos ainda. Mas é possível sobreviver e comprar um pouco de vodca. Obviamente, Marco não mexe um dedo, os vizinhos é que retiram as frutas, carregam o caminhão e vendem o produto. Em troca, ele paga uma mixaria e deixe toda aquela molecada brincar na sua casa.

Ele coça uma picada de pernilongo em seu calcanhar pálido e sente algo de errado. Uma vibração estranha, um mau pressentimento, uma nuvem de negatividade se aproximar. Logo tudo se reduz ao ronco de um carro velho se aproximando na estrada. Um Chevete marrom despedaçado para em frente a sua casa e um silêncio insano se faz quando seu motor se desliga. Lá de dentro brotam dois sujeitos, pálidos e sonolentos. Semblantes cerrados, devido ao Sol rasteiro nos olhos. Um parecia perdido e curioso, e olhava ao seu redor, vagaroso e confuso. O outro parecia mortalmente sério, sabia onde estava e quem devia procurar. Seus olhos se encontraram com as lentes empoeiradas de Marco, que viu nos olhos do filho a fúria pesarosa de alguém que não queria estar aqui, mas não teve escolha. E logo ficou claro que a presença de Enrico se devia únicamente a um anúncio fúnebre. Os dois jovens se postaram em frente ao velho, e mutuamente sentiram o cheiro de vodca que os três carregavam. Pai e filho tinham o mesmo hábito, pensou Gabriel, inebriado. E como dois mensageiros infaustos, eles ali ficaram, sem dizer uma palavra. Provavelmente a mãe dele, pensou Marco, mas não, não era isso, ele sabia. Então o olhar incendiário de Enrico baixou triste para o chão, do jeito que só uma pessoa seria capaz de fazer, logo percebeu seu pai. E em meio às crianças caladas e intimidadas por aqueles dois estranhos, Marco colocou as mãos sob suas lentes sujas e tentou segurar suas lágrimas. E aquele que menos merecia, estava morto.

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