quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

Macho Alfa

Deitado na cama do quarto observando as mudanças de foco da minha visão, conforme abria e fechava um dos olhos, abatido, pensante, absorto nas pateticamente trágicas questões que fazem os jovens sentirem o peso da mortalidade, quando um chute violento escancarou a porta. Enrico adentrou o quarto e me olhou gravemente. – “Enfermeira! Temos uma emergência aqui!”. – antes que eu pudesse me levantar e dizer qualquer coisa, uma moça vestida de enfermeira, trajes tão obscenos que fariam a Associação das Enfermeiras processarem Enrico na hora e dizer que aquilo era um desrespeito que a classe não iria tolerar, entrou no quarto empurrando uma maca com uma maleta em cima. Enrico começou a medir minha temperatura com a palma da mão na testa. – “Parece um caso de inanição devido à abstinência sexual, alcoólica, espiritual e monetária. Pode ser fatal! Precisamos começar a cura imediatamente! Enfermeira! – então a enfermeira de decote abismal e saia de proporções chauvinistas tirou da maleta um bong acoplado a uma máscara de inalação e entregou ao Dr. Enrico. Sempre com um sorriso lascivo no rosto, ela pegou um isqueiro e acendeu o troço, que Enrico prontamente enfiou na minha cara. A porra era forte e eu não pude sequer pensar em fazer ou dizer algo durante a situação toda. – “Ele parece estar reagindo... agora é hora de realizar a sucção. Enfermeira!”. – ela levou o seu sorriso até minha virilha e abriu a braguilha. Pôs pra fora meu pau duro, que assim estava desde que reparei que tinha uma enfermeira gostosa em meu quarto, e começou o procedimento. Por um momento Enrico fez uma cara perplexa, grunhiu puta merda, pegou um par de luvas cirúrgicas da maleta e lamentou “porra, como sou distraído” enquanto vestia a importante peça de higiene médica. Então voltei a reparar na mudança de foco dos meus olhos, dessa vez involuntária, enquanto o Doutor retirava um recipiente metálico da maleta. – “Enfermeira, a carga hormonal descarregada?" – ela cuspiu e sorriu deliciosamente. O cirurgião chefe analisou o conteúdo, fez um gesto de aprovação, abriu a janela e arremessou o recipiente como um frisbee. – “Certo, parece ter um quadro estável agora. Apenas tome essa pílula, e poderemos prosseguir com a segunda parte do tratamento”. – eu não tenho idéia do que era aquilo, mas confiei em meu médico e engoli a medicação.

Fui levado de maca para a sala e colocado de frente para televisão. Enquanto Enrico colocava um dvd, a Enfermeira Gostosa preparava um cateter com mais algum elemento estranho a ser injetado em meu corpo. Senti a picada no momento que a exibição começou. Era um documentário sobre a natureza, com imagens de grupos de leões, leopardos, chimpanzés e todos as criaturinhas selvagens que um dia navegaram com Noé. Um narrador com sotaque britânico dizia coisas que nas legendas se liam assim:

“Os machos de uma sociedade animal podem ser divididos hierarquicamente em três níveis: alfa, beta e ômega”.

“O macho alfa ganha o direito de ser o primeiro a comer e o primeiro a acasalar. Ele atinge esta posição por meio de superioridade física. Em algumas espécies, eles são os únicos animais do grupo que podem ter contato sexual com as fêmeas”.

“O macho beta é aquele que irá assumir o posto de liderança caso o alfa venha a morrer”.

“O termo macho ômega é usado para se referir à casta mais baixa da hierarquia social. Um ômega é subordinado a todos os outros membros do grupo. Normalmente, o macho ômega é o último a ter permissão para comer”.

“As qualidades que levam o macho à posição de poder indicam às fêmeas características genéticas superiores aos demais machos. Isso dará ao macho alfa a preferência no momento do acasalamento”.

Durante aquela exibição de rituais de humilhação, violência e sexo, eu senti o soro dançar desagradavelmente em mim. Senti também a pílula eclodir em minha cabeça. E tudo isso acompanhado de uma queimação ácida que subia do meu estomago em direção ao peito. Então eu me tornei uma carcaça em ebulição hormonal, vazio de pensamentos e emoções, apenas conectado ao instinto de encerrar a dor e vomitar tudo aquilo que não fazia parte de mim. Com os olhos novamente sem foco, notei a maca se movimentando. A luz solar me cegou por um momento e então um movimento brusco me jogou de pé. Quando dei por mim, estava na beira da sacada, encarando um chão incerto quilômetros abaixo, o braço de Enrico ao redor do meu pescoço me impedindo de desabar. Então eu vomitei, com agonia e prazer, como se minhas entranhas ejaculassem, como se um veneno fosse destilado, como se um demônio fosse extraído a fórceps de dentro de mim. Litros de gorfo imundo e fedorento prédio abaixo, tingindo com o pior de mim algum limbo de concreto. Terminei tudo numa tossida seca, Enrico dando um tapinha nas minhas costas dizendo “boa, garoto, isso mesmo” e me recolocando na maca. Balbuciei: “Cadê a enfermeira... como é nome dela?”, ao que Enrico respondeu - “Ela não tem nome. É só uma enfermeira gostosa”. Acho que eu já deveria saber disso.

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