terça-feira, 25 de setembro de 2007

Desejo

Penetra em meu quarto um invasor invisível e se posta ao meu lado. Admira meu sono nu de noite quente, agitado e ansioso. Me conforta com seus lábios quentes que percorrem meu corpo, cada centímetro exposto, por toda minha carne, numa caricia terna como um sussurro. Indefeso e impassível, estremeço no prazer inesperado do amante sem nome e sem corpo que me envolve, me desnorteia e me desperta. A porta está aberta e eu estou só. O Desejo febril partiu tão silencioso quanto entrou.

segunda-feira, 24 de setembro de 2007

O Estranho

Há um estranho caminhando no acostamento. Imperceptível figura esguia, silenciosa e errante, como um ectoplasma cinzento envolvido na poeira e na fumaça da rodovia, trafegando livremente de nossa percepção e de nossos vãos julgamentos. Admirando as mazelas da cidade com suas órbitas negras e vazias, perdido em seu próprio labirinto traçado por ruas envenenadas pelo lixo e pela miséria, saboreando aromas familiares e há tanto tempo negados, comida estragada de vendedores ambulantes, poluição tóxica dos escapamentos, urina, suor, dejetos acumulados e decompostos nas sarjetas, maconha barata, cigarros sem filtro, a lama das enchentes e o ar inebriante dos bares de esquina. Nada escapa ao seu olhar impiedoso, nenhum indigente ébrio, nenhum migrante nordestino, rejeitado pela própria terra e devassado por essa outra, nenhum travesti com suas navalhas, nenhum policial especializado em conduzir humanos como gado, nenhum engravatado, engalfinhado com seus contratos, seu pó e suas putas, e nem mesmo os anônimos que se escondem por de trás de sua máscara de mediocridade e de sonhos baratos de casa, carro, emprego e família. No sagrado silêncio da periferia, ele assisti as armas explodirem nas mãos de quem atira, e o sangue quente e juvenil alimentar as entranhas dos mercadores da pólvora. Em seu quarto no motel, medita sobre sua motivação, seu passado fragmentado, sua existência inconfidente. Entre aquelas paredes nada importa, o mofo no teto, as manchas escuras de esperma velho no assoalho, os lençóis inundados por uma chuva de fluidos, os filmes pornográficos, a estática do radio quebrado. As respostas se vêem através da janela, naquele organismo disforme, gigante e acéfalo que se expande de favela em favela, engordado com sacrifícios humanos que alimentam seu câncer, exibindo os corpos em valas comuns e em fotos preto-e-branco, como troféus de sua própria infâmia. Na beira da calçada um estranho caminha, lança-nos um ultimo olhar inválido e sorri diante de nossa essência. E segue sozinho em sua interminável estrada.