quinta-feira, 15 de outubro de 2009
As Águas do Rio Lete
Aqui onde estou
Esvazio os pensamentos
Ignoro o que sou
Rastejo entre as pernas
Dos vencedores
Com veias abertas
Escrevo seu nome
Graceja e arrasa meus sonhos banais
Aqui na cova rasa todos os dias são iguais
Acaricio a terra úmida que me abraça
A minha boca imunda não tocará sua graça
Vestida em neon
A sua presença me cega
Capturo cada som
Cada voz que me cerca
Instintos me guiam
Aproximo minhas mãos
Você se desvia
Nega suas feições
Fogo e sangria para purificar o meu mal
Mas ainda sou o mesmo ao fim do ritual
Quem disse que redenção vem através de feridas?
É apenas a sua sede de sangue que se alivia
As águas do Rio Lete
Saciam minha sede
A fúria se despe
O silêncio se estende
A correnteza é suave
Nas águas do Rio Lete
quinta-feira, 8 de outubro de 2009
Bebês amaldiçoados não vão para o céu
Me disseram que eu quando eu nasci deu merda. Uma doença infecciosa, sei lá, nunca explicaram direito. Fiquei internado e minha mãe desesperada, fez meu pai arrumar um padre pra me batizar as pressas. “Bebês amaldiçoados não vão pro céu!”, ela choramingava. O meu velho arrumou um sacerdote pra emergência e o sacramento foi feito na incubadora mesmo. Diante de Deus eu era Enrico Roccato e eu nunca mais estaria tão perto do paraíso. Mas meu corpo benzido sarou e a minha inocência hoje é uma memória apagada.
Hoje me espanta a idéia de alguém acreditar que uma água choca pode purificar a alma. Me espantam as esperanças de redenção, os planos de fuga, os mapas astrais e as comunhões. Todos querem ser salvos, ninguém quer ser livre. Isso não é amor, isso é medo. Eu não acredito em nada além do caos que transcorre por mim. Confissões e flagelos não redimem ninguém, apenas saciam o vazio. Minha mãe estava certa, bebês amaldiçoados não vão pro céu. Eles são condenados a viver.